sol.sapo.ptsol.sapo.pt - 19 set. 09:10

Alto, magro e estrábico

Alto, magro e estrábico

Uma coisa é noticiar que um grupo de indivíduos de Leste, ou de África, ou do Extremo Oriente, ou da Madeira está envolvido em atividades criminosas. Isso é informação. É informação objetiva a que os leitores têm direito.Outra coisa, diferente, é extrair daí conclusões – dizendo, por exemplo, que os indivíduos de determinada origem têm especial propensão para o crime. Aí já entramos no campo de uma possível discriminação racial.

Por estes dias, uma estação de TV noticiou a violação de uma hospedeira de bordo ocorrida por volta das 20h00 no Parque das Nações, em Lisboa.

E no ecrã apareciam as características do suposto violador: «Alto, magro e estrábico».

Ora, como a maior parte dos jovens são hoje altos e magros – e o estrabismo só se deteta a pequena distância e olhando diretamente para a pessoa –, a descrição era muito vaga.

Talvez por isso, a PJ fez uma coisa que hoje já não é vulgar: divulgou o retrato-robô do suspeito.

E aí via-se o quê?

Que se tratava de um jovem negro.

É óbvio que, ao omitirmos a informação de que o violador era negro, estávamos a dificultar enormemente a sua identificação.

Falando de um homem ‘alto e magro’, tínhamos um universo para aí de 10% da população, ou seja, 1.000.000 de pessoas.

Mas se acrescentássemos tratar-se de um negro, esse número baixaria para 0,5% da população, ou seja, 50.000 pessoas.

Isto é, vinte vezes menos.

Pergunto, portanto: seria correto omitir tal informação?

A omissão resulta de uma diretiva oficial segundo a qual os jornalistas não devem, nas notícias, divulgar a ‘origem racial’ dos cidadãos.

Mas – note-se – isso só funciona para as ‘notícias más’; caso se trate de uma ‘notícia boa’, já é lícito divulgar essa origem.

Por exemplo: Jovem negro tornou-se o homem mais rápido do mundo em pista.

Quem criticaria este título?

Há uns bons anos, publiquei no jornal que dirigia uma notícia dando conta de uma vaga de assaltos na Quinta da Marinha, alegadamente praticados por um grupo de indivíduos oriundos do Leste europeu.

Semanas depois, recebi um ofício de uma repartição qualquer do Estado dizendo que o jornal não podia ter divulgado a origem dos supostos assaltantes.

Fiquei indignado.

Peguei na caneta e respondi que a notícia só continha informação objetiva – e ninguém podia proibir o jornal de a dar. Mais: que o continuaria a fazer.

A dita repartição não respondeu nem insistiu na ‘condenação’.

Entendamo-nos: uma coisa é noticiar que um grupo de indivíduos de Leste, ou de África, ou do Extremo Oriente, ou da Madeira está envolvido em atividades criminosas.

Isso é informação.

É informação objetiva a que os leitores têm direito.

Outra coisa, diferente, é extrair daí conclusões – dizendo, por exemplo, que os indivíduos de determinada origem têm especial propensão para o crime.

Aí já entramos no campo de uma possível discriminação racial.

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