Catarina Nunes - 19 set. 20:56
Os segredos que um fio de cabelo revela
Os segredos que um fio de cabelo revela
Uma experiência (em audioconferência) com o ‘mago’ dos cabelos Ricardo Vila Nova dá o mote à crónica ‘Sem Preço’ desta semana
Há experiências que extravasam o objetivo. Um pouco como o aforismo que diz que o caminho é mais importante do que o destino. Neste caso, o destino pode parecer bastante prosaico (ter um cabelo e couro cabeludo saudáveis), mas o caminho para lá chegar é recheado de detalhes e técnicas no mínimo invulgares.
Ricardo Vila Nova é uma das três pessoas no mundo a diagnosticarem as necessidades capilares através da leitura do ADN a partir de um fio de cabelo (€175/teste)
O ‘Encantador de Cabelos’ (cognome atribuído pela Vogue britânica em 2012) é Ricardo Vila Nova, o português que tem um método holístico e sofisticado de diagnóstico e tratamento capilar. O trabalho que faz é o resultado de anos de estudo e de especialização em tricologia, ramo da dermatologia que avalia e trata os fios de cabelo, o couro cabelo e os pelos. Com origem no grego thricos (que significa cabelo), esta disciplina existe desde o início do século 20, em 1902, quando é criada por um grupo de médicos, cientistas e cabeleireiros, em Inglaterra, criando o Instituto de Tricologistas.
É também em Inglaterra que Ricardo Vila Nova frequenta o curso criado em 2004, numa parceria entre este instituto e o Imperial College of London, depois de três anos de investigação nos laboratórios de pesquisa avançada da L’Óreal, em Paris. Em Londres estabelece-se, quase há cerca de 10 anos, com um espaço em nome próprio no 5º andar do Harrods, onde se encontra a área de tratamentos de cabelo e de beleza deste armazém de marcas e serviços de luxo. Antes disto, gere o departamento de cabelos da Renew Medica, uma das mais conhecidas redes de clínicas de estética no Reino Unido. Mais tarde, em 2018, expande-se para Lisboa com a abertura da 212.2 Ricardo Vila Nova. A denominação desta clínica não é escolhida ao acaso e junta várias coincidências, mas já lá vamos.
A análise é feita recorrendo a um microscópio e programa informático que captam as diferentes texturas e cores do fio de cabelo
Em tempos de coronavírus, quando o corredor aéreo Reino Unido/Portugal ainda se encontra encerrado, a experiência com o ‘Encantador de Cabelos’ começa com uma audioconferência a partir da 212.2 Ricardo Vila Nova, na Avenida da Liberdade, para Londres, onde o tricologista se encontra em confinamento forçado. Antes de chegarmos à fala, já Ricardo Vila Nova tem um diagnóstico, a partir de um fio do meu cabelo, extraído pela raiz por Bruno Matoso, assistente de tricologia na clínica em Lisboa. A análise é feita aqui com o recurso a um microscópio e a um programa informático, enviando a imagem captada para Londres, onde Ricardo Vila Nova faz a sua avaliação. Respiro fundo e aguardo o que me espera.
A expectativa é grande por este especialista ter um histórico de revelação de árvores genealógicas, problemas metabólicos e hormonais (e até gravidezes) com a leitura do ADN a partir de um fio capilar. Fico com a sensação que estou numa espécie de consulta de tarot, mas garantem-me que o que se passará a seguir não mete adivinhação. Está tudo escrito no cabelo. Mantenho o ceticismo e sinto-me em vantagem. O meu cabelo alisado artificialmente não denuncia (a olho nu) a minha descendência africana e a audioconferência, como a denominação indica, não inclui vídeo. Saúda-me uma voz calorosa (em português com um suave sotaque britânico), que começa por dizer que o meu couro cabeludo não é totalmente hidratado e que o cabelo não tem toxinas.
A clínica na Avenida da Liberdade, em Lisboa, é a mais recente, que se soma ao espaço no Harrod’s, em Londres
Alex Costa Photographer
A produção glandular é baixa, o que cria uma textura mais seca e a produção de proteína é eficiente. Até aqui, sem surpresas. Quando Ricardo Vila Nova vai aos detalhes é que a ‘magia’ começa a acontecer. Diz-me que o meu cabelo tem uma mistura de texturas, indicativo de eu ser a segunda filha a nascer, o que significa ter uma equilibrada mistura genética de pai e de mãe, ao contrário do primeiro filho, que recebe mais informação genética do pai. Não tendo conhecimento técnico para corroborar nem contradizer esta teoria, fico-me pela verdade. Sou a segunda filha e o meu cabelo traduz, de facto, uma mistura: é quase liso à frente e em baixo e muito encarapinhado na parte de trás da cabeça, resultado da minha origem luso-africana.
Como é que Ricardo Vila Nova chega a este nível de detalhe através de apenas um cabelo (ainda por cima quando todo ele está desfrisado)? Não faço a menor ideia. Depois do espanto, segue a única revelação que não é verdadeira, mas que encaixo como a melhor notícia: o meu cabelo indicia que tenho trinta e poucos anos (na realidade faltam-me dois para os 50). A constituição genética não demonstra tendência para a queda de cabelo e tenho um bom número de fios por centímetro cúbico. Tudo verdade. Ricardo Vila Nova continua o diagnóstico. Tiroide sem debilidades mas sinais de fadiga, de redução da absorção de proteína e de vulnerabilidade metabólica, há seis meses, que entretanto se reequilibraram.
A cadeira-cama, que reclina até ficar totalmente na horizontal, leva alguns clientes a ‘deixarem-se levar’ por Morfeu. Os tratamentos vão dos €200 aos €950
Alex Costa Photographer
Mais uma vez, o diagnóstico é assertivo. Há seis meses comecei a fazer um tratamento hormonal que repôs a normalidade. No balanço geral, diz, a minha constituição é boa e com um metabolismo muito elevado. O teste de ADN capilar está concluído e ‘abrem-se as hostilidades’ para o que vem a seguir: a necessidade de hidratação profunda. Todos os tratamentos são prescritos à medida e elaborados tendo por base as carências do cabelo e couro cabeludo em causa. É assim no atendimento nas clínicas em Lisboa e em Londres, bem como no serviço personalizado que faz em casa de clientes, em particular no Médio Oriente e na Ásia (Bahrain, Abu Dhabi, Tóquio e Hong Kong) e em Nova Iorque.
Estas localizações internacionais não são de estranhar, tendo em conta que é onde se encontra um maior número de contas bancárias disponíveis para investir num diagnóstico e tratamentos capilares com preços que começam nos três dígitos por sessão. Mais: Ricardo Vila Nova é uma das três pessoas no mundo que desenvolvem este tipo de trabalho (o único a aplicá-lo aos cabelos) e a procura cresce. Nomeadamente por parte de quem busca tratar a queda e a falta de densidade e de volume do cabelo, que representam a maioria dos clientes que o procuram. Estes problemas não me assolam, por isso a intervenção foca-se em tratar a desidratação. O primeiro passo reflete a abordagem de Ricardo Vila Nova, semelhante ao tratamento da pele, que, aliás, é por onde começa o seu percurso.
A utilização de laser nos tratamentos potencia os resultados ao mesmo tempo que ativa a regeneração celular e a circulação sanguínea
Desde sempre que se lembra do fascínio em experimentar, em si próprio, as amostras de cremes oferecidas com as revistas de moda e em estudar os seus ingredientes e finalidades. Nesta época, passa horas a explorar as prateleiras destes produtos, em supermercados, perfumarias e cabeleiros. No seu primeiro emprego (num cabeleireiro) destaca-se por este conhecimento profundo, adquirido empiricamente, que leva a L’Óreal a convidá-lo para ir estudar bioquímica nos seus laboratórios, em Paris. Se nos cuidados com a pele o primeiro passo é a esfoliação, é por aqui que começa também o seu programa de tratamento capilar. A ideia do pré-champô é desintoxicar, equilibrar e proteger o couro cabeludo e potenciar o efeito da lavagem. Uma mistura de óleos de camélia japonesa, de Sacha Inchi, de rícino e de girassol são o ponto de partida.
A transformação numa solução aquosa (que evita a textura peganhenta) permite que os ingredientes dos óleos penetrem mais facilmente no couro cabeludo e também no cabelo, chegando ao córtex. De salientar que este momento, bem como os que lhe sucedem, decorre numa cadeira-cama que reclina até ficar totalmente na horizontal, o que leva alguns clientes a ‘deixarem-se levar’ por Morfeu. Não é o meu caso, com a atenção plena no que está a acontecer. A lavagem é feita com dois champôs, ambos com ingredientes altamente hidratantes, como queratina, ácido hialurónico, lecitina de soja e betaína, que dão brilho, elasticidade e ‘corpo’ ao cabelo. Seguem-se as máscaras, duas como com as lavagens. A primeira (rica em queratina) é aplicada com laser, que potencia os resultados ao mesmo tempo que ativa a regeneração celular e a circulação sanguínea. A segunda é à base de proteína, que é enriquecida com ómega 3 e coadjuvada com óleo de argão, rico em ácidos gordos, antioxidantes e vitamina E.
Os produtos personalizados estão disponíveis para levar para casa (a partir de €35/champô de 100ml até €900/pré-champô de couro cabeludo de 500ml)
Alex Costa Photographer
Para a última fase está reservado o procedimento que pode dar calafrios prévios a todos que (como eu) têm pavor de agulhas. Um rolo com micro-agulhas faz micro-perfurações na epiderme do couro cabeludo, que estimulam a produção de colagénio, o fluxo sanguíneo e induz novas células estaminais, que também suportam o crescimento capilar. Apesar de a descrição parecer digna de um processo de tortura, na prática o micro-needling dá a sensação de picadas ligeiras, mais intensas dependendo das zonas da cabeça e da sensibilidade pessoal à dor. Sobrevivi sem sofrimento. Com o couro cabeludo mais permeável à absorção, é aplicado um cocktail de vitaminais e minerais, com propriedades vasodilatadoras e hidratantes, que permitem devolver ao organismo uma capacidade natural de se regenerar e fortalecer. Depois de este processo estar concluído, o cabelo é secado, ao ar ou com um secador, dependendo da preferência pessoal.
O tratamento não se fica pela clínica. Cada cliente pode comprar os produtos aplicados na sessão e elaborados à medida das necessidades capilares. São vendidos em frascos personalizados com o nome do cliente e são para usar em casa, no dia a dia. Apesar de o mais impressionante ser o diagnóstico a partir de um fio de cabelo, a tecnologia associada aos produtos revela uma preocupação com os resultados. São usadas fórmulas altamente concentradas, com ingredientes oriundos de laboratórios em países onde é produzido o que de melhor existe para os cabelos, como Japão, Itália, França e Brasil. O percurso deste tricologista, afinal, deve mais à ciência e à tecnologia do que ao misticismo. Ou não.
A denominação da clínica, 212.2 Ricardo Vila Nova, encerra um mistério. O número 2122, os indicativos telefónicos das duas principais cidades nacionais (Ricardo é do Porto), acompanha-o desde que o integra na marca (a 2122 Hairmedica) que cria e usa, muitos antes de sonhar em montar uma clínica em Lisboa. Anos depois, quando em 2018 abre na avenida da Liberdade, o 212 é o número de porta do espaço encontrado para o efeito e o andar é o 2º. Coincidência ou não. As histórias que um fio de cabelo revela são mais fáceis de explicar.