www.sabado.ptleitores@sabado.cofina.pt (Sábado) - 17 set. 15:25

Combate à corrupção

Combate à corrupção

O discurso político nacional tem sido unânime no sentido de encarar o combate à corrupção como uma prioridade e Portugal, ao longo dos anos e com os seus sucessivos Governos, tem vindo a acumular pacotes de medidas anticorrupção os quais, na prática, pouco ou nada resolvem o problema. - Carla Oliveira , Sábado.
A corrupção é um dos grandes problemas que Portugal enfrenta. É apontado, por sondagens recentes, como uma das maiores preocupações dos portugueses o que, por si só, deveria ser fundamento para que a luta contra tal flagelo fosse efectivamente uma das prioridades do Estado.

A Transparency International, rede global anticorrupção, elabora anualmente o "Ranking do Índice de Percepções de Corrupção", o qual é tido como o principal indicador global dos níveis de corrupção do sector público de cada país. No relatório relativo ao ano de 2019 Portugal, embora mantendo a sua posição no ranking (30º) relativamente ao ano anterior, desceu dois pontos, passando para 62, o que, em termos práticos, se traduz na estagnação no combate à corrupção. Assim, e embora o nosso país se mantenha a meio da tabela no que concerne aos países da UE, fica situado dois pontos abaixo da média desses mesmos países que é actualmente de 64 pontos.

O discurso político nacional tem sido unânime no sentido de encarar o combate à corrupção como uma prioridade e Portugal, ao longo dos anos e com os seus sucessivos Governos, tem vindo a acumular pacotes de medidas anticorrupção os quais, na prática, pouco ou nada resolvem o problema. Tal facto, conjugado com a ausência da atribuição dos meios necessários a essa luta (como resulta claro dos orçamentos de Estado) permite a conclusão de que na vontade política, ao contrário do discurso, a luta contra a corrupção não é assim tão prioritária.

Em todos os planos tem faltado uma visão de estratégia e de conjunto e a definição de um rumo. O problema tem que ser encarado de modo global, nas suas diferentes vertentes e de modo sistematizado. Não basta, como tem sucedido até aqui, alterar a legislação pontualmente e quase sempre a reboque de um qualquer escândalo. Não serve de nada legislar de forma apressada, sem discussão pública, depois de ultrapassados todos os prazos e avisos da UE, criando leis dúbias e com lacunas. Também não adianta legislar de acordo com as melhores práticas recomendadas se essas leis forem ineficazes por ausência de mecanismos de controle ou de meios do Estado para as funcionar efectivamente.

O problema, tem que ser claramente assumido, tem uma dimensão muito superior ao sistema de justiça e à sua forma de funcionamento. A luta tem que começar muito antes da intervenção do sistema judicial com a criação de mecanismos eficientes, que efectivamente funcionem na prática e que permitam uma total transparência e controle de actos e condutas evitando, ou pelo menos dificultando, comportamentos desviantes.

A política não pode ficar de fora de um qualquer Plano de Combate à Corrupção que se quer sério, abrangente e eficaz.

O último plano de combate à corrupção, "Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024", foi apresentado e colocado em discussão pública no inicio deste mês.

Tal plano apresenta intenções políticas positivas, sendo de salientar a visão global da problemática e a aposta em mecanismos preventivos. Porém mostra-se insuficiente deixando de fora aspectos de enorme relevo e de elevada sensibilidade social.

Desde logo o documento é omisso, não indicando uma qualquer medida a adoptar, no que respeita às autarquias. Tendo em conta os inúmeros processos de natureza criminal que têm decorrido contra titulares do poder autárquico, tal omissão é totalmente incompreensível. Também, e ao contrário dos objectivos anunciados, nenhuma menção é feita ao combate à corrupção no sistema político de financiamento dos partidos políticos e campanhas eleitorais sendo certa que esta trata-se de uma questão essencial no âmbito da luta à corrupção. Como é indicado por Delia Rubio, presidente do Transparency Internacional: "Os Governos devem abordar com urgência o papel corrupto do dinheiro no financiamento de partidos políticos e a influência indevida que ele exerce nos nossos sistemas políticos". É absolutamente indispensável a criação de legislação clara, sem lacunas e mecanismos de controlo eficazes que permitam efectivamente a máxima transparência nesta matéria. As relações entre o sistema financeiro e económico e o sistema político – área onde a percepção social de corrupção assume um nível elevadíssimo – com a sua bem conhecida e inexplicável circulação e passagem de pessoas entre ambos os meios, trata-se igualmente de matéria não inserida no documento em causa, sendo evidente a necessidade urgente de encontrar uma forma clara, transparente e ética de regulamentar e fiscalizar tais questões.

De qualquer forma o documento foi apresentado e encontra-se em fase de discussão pública. Cabe-nos a nós, cidadãos, participar activamente nesta discussão, questionando, encontrando respostas, apresentando sugestões e, dessa forma, mostrando o nosso interesse real por uma temática que nos afecta a todos. Mostrando o que queremos, mas acima de tudo, o que não queremos.
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