expresso.ptexpresso.pt - 3 set. 09:09

“Portugal não é exceção na negação do racismo estrutural”: carta de apoio a Mamadou Ba e ao antirracismo político

“Portugal não é exceção na negação do racismo estrutural”: carta de apoio a Mamadou Ba e ao antirracismo político

Mais de uma centena de ativistas e académicos e 25 coletivos e organizações de todo o mundo são os subscritores de uma carta que manifesta o seu apoio à luta antirracista do membro do SOS Racismo e das outras nove pessoas que foram recentemente alvo de ameaças por um movimento neonazi. “Queremos expressar a nossa solidariedade com o movimento negro em Portugal”, lê-se na missiva que o Expresso reproduz a seguir

“Na Europa, a negação do racismo estrutural é regra e Portugal não é exceção. As instituições e a sociedade civil portuguesa não têm lidado adequadamente com a história e os legados do colonialismo e da escravização racial. As queixas por discriminação racial e os crimes racistas raramente são julgados e o número de condenações é muito baixo. Nos últimos cinco anos, o fortalecimento das organizações antirracistas e do movimento negro tem vindo a desestabilizar as abordagens políticas convencionais ao racismo institucional, à violência racista e ao assédio racial.

Neste contexto, têm escalado as reações públicas às denúncias da violência policial e dos discursos da extrema-direita por parte dos movimentos antirracistas. A 11 de agosto, o ativista antirracista Mamadou Ba e outras nove pessoas (ativistas antirracistas, antifascistas e LGBT, deputadas e líderes sindicais) receberam um email enviado pelo movimento neonazi autodenominado Nova Ordem de Avis – Resistência Nacional que os ameaçava e às suas famílias que caso estes não abandonassem o país em 48 horas, haveria consequências. Em julho, a sede do Movimento SOS Racismo em Lisboa havia já sido vandalizada com uma pintura na parede que versava: “Guerra aos inimigos da minha terra”. Em agosto, três dias antes do envio do referido email, um grupo de neonazis juntou-se em frente à mesma numa performance alusiva ao KKK, com tochas e máscaras brancas.

Mamadou Ba é um ativista proeminente pelos direitos das pessoas migrantes e membro do SOS Racismo há mais de duas décadas. Desde 2012 que tem recebido ameaças de pessoas e organizações neonazis e de extrema-direita que se avultaram em 2019. Depois de um comentário nas redes sociais em resposta a comentários de alguns militantes de esquerda à manifestação de um conjunto de jovens – maioritariamente negros e da periferia de Lisboa – em reação a um vídeo que mostrava um grupo de polícias a bater numa família negra e que se tornou viral. Mamadou Ba utilizou a expressão “bosta da bófia” e, nas semanas subsequentes, foi perseguido e assediado por membros da extrema-direita. Dois sindicatos de polícia (Associação Sindical dos Profissionais da Polícia e Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia) apresentaram queixa contra ele acusando-o de difamação.

O país tem assistido a uma normalização do discurso de extrema-direita nos debates parlamentares e mediáticos: alguns membros de organizações neonazis têm sido convidados a participar em programas televisivos; o discurso de ódio e o assédio nas redes sociais contra ativistas negros antirracistas tornou-se quotidiano; alguns líderes dos sindicatos de polícia são membros do Chega – um partido de extrema-direita com um deputado eleito na Assembleia da República, André Ventura, desde as últimas eleições legislativas, em 2019 – antigo membro do PSD (Partido Social Democrata), um partido neoliberal. Não obstante, a eleição de três mulheres negras para o Parlamento que, embora com diferentes trajetórias, todas engajadas na luta antirracista, tornou ainda mais explícito o racismo estrutural em Portugal.

Nos últimos meses, André Ventura organizou, com o apoio das forças policiais, duas manifestações em Lisboa (a 22 de junho e 2 de agosto) sob a bandeira política do antirracismo e adotando como slogan político: “Portugal não é racista”. Recentemente, a propósito do brutal assassinato do ator negro Bruno Candé Marques, Ventura afirmou que “o racismo se tornou uma desculpa para tudo” sublinhando que “as minorias têm direitos, mas também têm deveres”. Bruno Candé foi baleado à luz do dia por Evaristo Marinho, um veterano da denominada “Guerra Colonial” contra os movimentos de libertação nacional que lutavam então pela independência face ao colonialismo português. As testemunhas atestaram que o alegado assassino usou insultos racistas e ameaçou Candé nos dias que antecederam o seu assassinato, assim como no dia em que o matou, com comentários sobre a sua participação na guerra.

Queremos expressar o nosso apoio a Mamadou Ba e à sua família, bem como a nossa solidariedade com o movimento negro em Portugal.

Apoiamos os protestos e a mobilização coletiva de movimentos e organizações antirracistas em Portugal.

Juntamos a nossa voz à sua contra o silêncio e o negacionismo.

Juntamos a nossa voz ao seu apelo à responsabilização política e legal e à necessidade de ações concretas que transformem a realidade do racismo estrutural em Portugal, expresso através da brutalidade policial, da violência racista ou do assédio racial.”

Abel Djassi, Simmons University, EUA
Achille Mbembe, University of the Witwatersrand, Johannesburg, South Africa/Duke University, EUA
Aderivaldo Ramos de Santana, Université Bordeaux-Montaigne, França
Alexandre Rocha da Silva, Instituto Esporte & Educação, Brasil
Álvaro Pereira do Nascimento, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brasil
Alyosha Goldstein, University of New Mexico, EUA
Amal Bentounsi, Urgence notre police assassin, França
Amanj Aziz, Nyans:Muslim, Suécia
Amber Kelsie, Wake Forest University, EUA
Amílcar Packer, Oficina de Imaginação Política, Brasil
Amílcar Pereira, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil
Amzat Boukari-Yabara, Ligue Panafricaine - UMOJA
Ana Flávia Magalhães Pinto, Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Ana Lúcia Araújo, Howard University, EUA
Anderson Ribeiro Oliva, Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros-Universidade de Brasília (Neab-UnB), Brasil
André de Godoy Bueno, Universidade de São Paulo (USP), Brasil
Anna Klobucka, University of Massachusetts Dartmouth, EUA
Atef S. Said, University of Illinois at Chicago, EUA
Babacar Faye, Université Cheikh Anta Diop de Dakar, Senegal
Bado Ndoye, Université Cheikh Anta Diop Dakar, Senegal
Bárbara Oliveira, Irmandade Pretas Candangas, Brasil
Cayetano Fernández, Kale Amenge - Roma anti-racist movement
César Augusto Baldi, funcionário público federal, Brasil
Cornel West, Harvard University, EUA
Daniel Mandur Thomaz, King’s College London, Reino Unido
Deborah Santos, NEAB-Universidade de Brasília, Brasil
Delphine Abadie, chercheure associée au LLCP, Université Paris 8, França
Dr. Hilla Dayan, Amsterdam University College, Países Baixos
Dr. Noa K. Ha, Das Deutsche Zentrum für Integrations- und Migrationsforschung (DeZIM), Alemanha
Dr. Ylva Habel, Södertörn University, Estocolmo, Suécia
Edinelia Souza, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Brasil
Elsa Roland, Université Libre de Bruxelles, Bélgica
Emanuelle Santos, Universidade de Birmingham, Reino Unido
Euza Raquel de Sousa, Instituto Federal Rio Grande do Norte, Brasil
Evelyn Melo Silva, Advogada brasileira, Brasil
Fabiano Silva dos Santos, advogado, professor universitário UNIP, Brasil
Fatima El-Tayeb, Professor - University of California, EUA
Felwine Sarr, Duke University, EUA
Fernanda N. Crespo, GEPEAR, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil
Flávio Gomes, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil
Franck Ribard, Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil
Françoise Vergès, politóloga, colletiff Décoloniser les arts, França
Fred Moten, New York University (NYU), EUA
Gabrielle Oliveira de Abreu, Movimento Mulheres Negras Decidem, Brasil
Georges Franco, artista, França
Giovanni Picker, University of Glasgow, Reino Unido
Gisele Cittadino, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil
Gustave Massiah, Centre International de Culture Populaire CEDETIM, França
Houria Bouteldja, Parti des Indigènes de la République (PIR), França
Ibtissem Benarabe, Parti des Indigènes de la République (PIR), França
Ines Cordeiro Dias, Assistant Professor, Spelman College, EUA
Iva Maria Cabral, Fundação Amílcar Cabral, Cabo Verde
Janete Santos Ribeiro, Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch (FAETEC/ETEAB) & Núcleo de Estudos Afro-brasileiros-Sankofa, Brasil
Jeferson De, Buda filmes, Brasil
João Gabriel, Ligue Panafricaine-Umoja
José Augusto Rodrigues Jr. Advogado, Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, Brasil
Jovita Pinto, Bla*Sh - Black Feminist Network, Suíça
Juliana Souza, Grupo Prerrogativas, Brasil
Laura Harris, New York University (NYU)
Lourival dos Santos, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil
Luciana Boiteux, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Luciene Lacerda, Instituto Búzios, Fórum de Mulheres Negras Rio de Janeiro, Brasil
Lucilene Reginaldo, Professora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil
Luis Carlos Moro, American Association of Jurists, EUA
Luk Vervaet, Prisons and solitary confinement in Europe (supermax.be), Bélgica
Maboula Soumahoro, Black History Month, França
Malick Gueye, Sindicato Manteros de Madrid, Espanha
Mallé Kassé, Université Cheikh Anta Diop de Daka (UCAD), Senegal
Marcelo Marques de Almeida Filho, Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Marcus Camara, Utah State University, EUA
Marcus Vinicius de Oliveira, Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil
Maria Paula Fernandes Adinolfi, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Brasil
Mariana Wiecko Volkmer de Castilho, Universidade de Brasília, Brasil
Marie-Noëlle Ryan, Université de Moncton, Canadá
Mark JL Sabine, School of Cultures, Languages & Area Studies, University of Nottingham, Reino Unido
Maurício Brasil, Associação Juízes para a Democracia e Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Brasil
Mayara Souza, Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Miguel de Barros, Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral, Guiné-Bissau
Moha Gerehou, elDiario.es, Espanha
Mouhad Reghif, Bruxelles Panthères, Bélgica
Nacira GUÉNIF, University Paris 8 Vincennes - Saint-Denis, França
Natália Barbosa, GEPEAR/Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Natalia Gavazzo, CONICET- Universidade Nacional de San Martín (UNSAM), Argentina
Natasa Petresin-Bachelez, curador, França/Eslovénia
Nengumbi Sukama, Instituto Argentino para la Igualdad, Diversidad e Integración (IARPIDI), Argentina
Nicholas Mirzoeff, New York University (NYU), EUA
Nicholas Smith, Södertörn University, Suécia
Nordine Saidi, militant Décolonial et membre de Bruxelles Panthères, Bélgica
Paola Bacchetta, University of California, Berkeley, EUA
Patricia Schor, Amsterdam University College and Radboud University Nijmegen, Países Baixos
Pedro Schacht Pereira, The Ohio State University, EUA
Piedade Lino Videira, NEAB-Universidade Federal do Amapá, Brasil
Priscilla Marques Campos, GEPEAR-Universidade Federal do Rio de Janeiro/UNIFESP, Brasil
Prof. Paul Goodwin, TrAIN, University of the Arts London, Reino Unido
Renísia Cristina Garcia Filice, Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Rokhaya Diallo, journaliste et réalisatrice, França
Roland DOR, Ligue Panafricaine – Umoja (LP-U)
Rosa Pires, PhD student in Sociology, Université du Québec à Montreal, Canadá
Sama Abdoulaye, Ligue Panafricaine (LP-U)
Sâmia Bomfim, líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na Câmara, Brasil
Sara Martins, Golsmiths College, Reino Unido
Sarah Babiker, periodista de El Salto, Espanha
Sarah Shamash, Emily Carr University, Canadá
Sebijan Fejzula, Kale Amenge - Roma anti-racist movement
Sílvio Almeida, advogado, professor e Presidente do Instituto Luiz Gama, Brasil
Sónia Vaz Borges, Humboldt University Berlin, Alemanha
Soraya El Kahlaoui, Ghent University, Bélgica
Stefan Kipfer, York University, Toronto, Canadá
Sueli Carneiro - Coordenadora Executiva do Geledés Instituto da Mulher Negra - São Paulo, Brasil
Suzana Lopes Salgado Ribeiro, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
Tânia Mara Pereira Vasconcelos, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Brasil
Thayara Cristine Silva de Lima, GEPEAR-Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil
Thula Pires, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) & Movimento de Mulheres Negras no Brasil, Brasil
Ugo Palheta, Université de Lille, França
Vânia Gala, Kingston University, Reino Unido
Yannick Nagau, Ligue Panafricaine Umoja (LP-U)
Youssef M. Ouled, Periodista y activista antirracista, Espanha
Yuderkys Espinosa, Grupo Latinoamericano de Estudio, Formación y Acción Feminista (GLEFAS), República Dominicana
Yuri Madalosso, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

Coletivos e Organizações

Afroindigenas LGBT
Bruxelles Panthères, Bélgica
Coletivo Antirracista Acotirene, Brasil
Coletivo Marginal (Rio de Janeiro, Brasil)
Coletivo Nuvem Negra, Brasil
Collectif de Défense des jeunes du Mantois, França
Comité de Vigilance pour la Démocratie en Tunisie, Bélgica
Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Guarulhos, Brasil
DefarAskan, Senegal
Decolonial International Network (DIN Foundation)
Front Démocratique (FD)
Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas, Ensino de História, Raça e Gênero (GEPPHERG) – Universidade de Brasília, Brasil
Grupo Prerrogativas, Brasil
International Decade for People of African Descent (IDPAD) - Team Spain, Espanha
Instituto Cigano do Brasil (ICB), Brasil
Instituto de Defesa da População Negra, Brasil
Instituto Luiz Gama, Brasil
Islamophobia Studies Center, University of California - Berkeley, EUA
Ligue Panafricaine Umoja (LP-U)
Mulheres Negras Decidem, Brasil
Parti des Indigènes de la République (PIR), França
Rede Antirracista Quilombação, Brasil
Sindicato Manteros de Madrid, Espanha
Transnational Decolonial QTPOC (Queer & Trans People of Color)
Uneafro Brasil, Brasil

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