expresso.ptexpresso.pt - 21 abr. 19:20

Sri Lanka. Violência e morte regressam ao país que parecia ter conquistado a paz

Sri Lanka. Violência e morte regressam ao país que parecia ter conquistado a paz

Quinze anos depois do tsunami e dez depois do fim da guerra civil, o Sri Lanka parecia ter feito paz com o seu passado e ser um destino calmo para o turismo mundial. Os festivais religiosos ecuménicos falavam por si até aos atentados deste domingo de Páscoa. As autoridades preveem que o número de mortes provocadas pelas explosões em Negombo, Colombo e Batticaloa vá aumentar

O Sri Pada é a montanha sagrada que fica situada no centro do Sri Lanka. Todos os anos recebe o maior festival religioso do país e é um dos que mais forasteitos acolhe vindos de toda a subregião. Não é simples apresentar o Sri Pada porque ele é “propriedade afetiva” e lugar de culto para quatro religiões. Chama-se, por isso, Samanalakanda Cingalesa, o que significa “montanha borboleta” em cingalês, a língua oficial mais falada no país, e Tamil Sivanolipatha Malai, em língua tamil.

Também conhecida por Adam's Peak, o Sri Pada é uma montanha cónica com 2,243 metros de altitude particularmente famosa por ter no seu topo a “pegada sagrada”, uma formação rochosa de 1,8 metros perto do topo que é tida pela pegada de Buda, na tradição budista, pela pegada de Shiva, na tradição hindu, pela pegada de S. Tomás, na tradição cristã e pela pegada de Adão, na tradição muçulmana.

Por esta descrição se percebe que o Sri Pada é igualmente venerado por budistas (70%), hindus (12,6%), muçulmanos (9,7%) e cristãos (7,4%) os quais, em todos os meses de abril, que é o pico da estação de peregrinos, levam horas e horas a subir os milhares de degraus que conduzem até ao cume. Seja qual for o trilho entre os seis existentes que se escolha, é obrigatório assistir lá em cima ao nascer do sol.

Em alternativa chega-se a tempo de ver o poente, mesmo antes da escuridão da noite que é pontuada pelas luzes distribuídas pelos trilhos ao longo dos dias de culto. Pode subir-se de dezembro a maio. No resto do ano, a chuva forte, os ventos ciclónicos e nevoeiros espessos impossibilitam a chegada mesmo dos mais ágeis.

Descalços, resistentes e ágeis

E acredite-se que são ágeis os cingaleses e indianos de baixa estatura que sobem e descem o percurso um sem número de vezes para fornecer de comidas e bebidas os locais de paragem que aguardam os peregrinos. É a grande oportunidade anual de fazer negócio na região central e os peregrinos partem dos seus locais de origem a contar com estes serviços.

É comum ver colunas de ocidentais, grupos de turistas e peregrinos equipados com todos os confortos proporcionados pelos equipamentos de trekking, caminhada e até montanhismo a serem ultrapassados a alta velocidade por estes homens magros. De chinelas de enfiar o dedo ou simplesmente descalços, e envoltos nas tradicionais saias cingalesas, estes homens carregam sem respiração ofegante grades de bebidas à cabeça, cobertores enrolados debaixo dos braços, e sacos pesados cheios de tudo o que vai poder ser vendido mais acima.

Quatro religiões em harmonia, ainda que seguidas por fiéis em proporções diferentes, têm convivido em paz desde que, há dez anos, acabou a sangrenta guerra civil que opôs os tamil aos cingaleses.

A ilha com feitio de pérola

Poucos anos depois da paz ter feito o seu progresso no território, o Sri Lanka era até hoje uma joia harmoniosa disponível para disfrute, oferecendo uma das naturezas mais belas e variadas do sudeste asiático.

A causa da guerra não estava solucionada e a diferença social entre cingaleses e tamil continua a ser notória. A segregação em bairros limítrofes das maiores cidades deixa os tamil numa situação de evidente desvantagem. Ainda assim, a prosperidade toca razoavelmente à maioria e a distribuição da riqueza na subregião parece menos desigual que na vizinha Índia.

Há dois meses, foi uma surpresa a notícia que anunciava a reativação da pena de morte naquele país que não executava nenhuma daquelas sentenças desde 1976. O retomar da pena capital, que foi condenado pelas organizações de defesa dos direitos humanos, inspirou-se parcialmente na campanha das Filipinas que assim combate o tráfico de drogas.

O anúncio chegava da maneira mais bizarra, com a abertura de um concurso público de recruta de dois executores após o Presidente Maithripala Sirisena ter anunciado que ia suspender a moratória à pena de morte que vigorava há 43 anos a fim de executar dois homens condenados por tráfico de droga.

Tsunami e explosões

A ilha em forma de pérola que foi brutalmente atacada este domingo é a que estava ainda a sarar as feridas dos mortos pelo tsunami de 2004 que lhe varreu a costa oriental matando milhares de pessoas.

No café da praia de Mirissa, no sul, entre Galle e Matara, os empregados servem o chá com leite à inglesa a acompanhar crepes de banana e não resistem a mostrar aos clientes as marcas na parede do estabelecimento que assinalam aonde tinha chegado a água da onda mortal. Quando perceberam que eu vinha de Portugal agarravam-me as mãos e diziam chamar-se Silva, Pereira, Mandis, Gomes, Suwaris e outros apelidos de origem facilmente reconhecível. Ou disparavam com a lista de palavras portuguesas que continuaram no vocabulário quotidiano do país que os portugueses batizaram de Ceilão, quando aportaram em Galle, em 1505.

Depois de mostrada a marca em toda a extensão da parede do bar de praia, os empregados faziam uma cara consternada ao contarem que nenhuma família tinha escapado à morte de algum parente. Apontando para o mar azul e esplendoroso lançavam a questão: como é possível esta beleza provocar tanta morte inesperada?

Também não se esperava a onda de morte que chegou a Negombo, na costa ocidental, a cidade a norte da capital, Colombo, aonde as explosões numa igreja causaram dezenas das 207 mortes totais que hoje enlutaram o país. É uma cidade mais recente que Colombo, com praia à frente de uma série de ruas com hotéis, residenciais e restaurantes, na sua maioria modestos, que acolhem quem para ali voa preferindo o bulício controlado de Negombo à confusão amplificada da capital.

Surpresa inesperada

As opiniões expressas este domingo de Páscoa na imprensa internacional também denotam surpresa.

O diário britânico “The Guardian” escrevia há algumas horas que parecia óbvio que as autoridades do país tinham sido “apanhadas de surpresa por um inimigo desconhecido que tinha atacado sem aviso e sem piedade”.
Um relatório das Nações Unidas de julho passado declarava “estar virtualmente parado” o progresso do cumprimento dos compromissos do Governo de unidade pós-2015 relativamente à justiça de transição no pós-guerra.

O relatório enumerava provas disso: que as forças de segurança continuavam a usar força brutal impunemente, incluindo tortura, e que grande quantidade de cidadãos tinha sido objeto de abuso judicial sob efeito da Lei de Prevenção do Terrorismo.

A vítima mortal portuguesa, Rui Lucas, escolhera o Sri Lanka para a lua de mel pelo sua essência calma, por ser um lugar onde a vida é diferente. Até há pouco, o turismo crescia e o comércio era vibrante num país onde é fácil os estrangeiros sentirem-se bem-vindos porque é isso que os cingaleses melhor fazem: receber bem, convidar a entrar nas suas casas para partilhar a casa maior deste país ecuménico aonde se crê que todos os deuses confluíram para deixar a sua marca.

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