expresso.ptexpresso.pt - 20 jan. 09:00

Michel Mayor: “É altamente provável que a vida exista algures”

Michel Mayor: “É altamente provável que a vida exista algures”

O astrofísico suíço, corresponsável pela descoberta do primeiro planeta exterior ao nosso sistema solar, participante no Fórum do Futuro, no Porto, diz que desconhecemos a natureza da maior parte da matéria no universo

Quando olha para o c��u tem alguma angústia pelo muito que ainda não se sabe apesar do muito que já se sabe?
Nunca. Tenho uma atitude de admiração, de ver o céu, sobretudo a Via Láctea, no Hemisfério Sul, onde é muito brilhante. Não há um sentimento de angústia.

O que o fascina ao olhar o céu?
A beleza. Nos grandes observatórios, por exemplo no Chile, no topo da montanha, a 1400 metros, não há poluição luminosa. O céu é muito negro. Tudo aquilo provoca um grande prazer. É maravilhoso.

O que é que se pode descobrir de novo?
Essa é uma questão gigantesca. O facto de as pessoas trabalharem em astronomia há séculos não esgotou as questões. Pelo contrário, abriu a possibilidade de novas perguntas. A expansão do universo, e tudo o que resulta da evolução do universo como um todo, suscita questões gigantescas. Por um lado, aprendemos muito com os satélites, o fundo cósmico, e todas essas questões. Por outro, desconhecemos qual a natureza da maior parte da matéria no universo. A cosmologia tem questões enormes sobre a evolução do universo.

Por exemplo, a questão da vida?
Evidentemente. Essa é uma questão que toca muito o meu domínio. Já sabemos que há planetas exteriores ao nosso sistema solar. Há centenas de milhares e por isso defrontamo-nos com a questão que é colocada há milhares de anos: haverá outros mundos habitados? A diferença é que, hoje, a tecnologia diz-nos que poderemos, eventualmente, responder a essa pergunta. Sabemos como desenvolver instrumentos para detetar sinais de desenvolvimento da vida. Isso suscita uma segunda grande questão para a próxima geração, ou até para mais tarde, não sei. Há questões também ligadas às singularidades do universo, a que chamamos buracos negros. Como é que se formam? Qual é a sua origem? A astronomia está cheia de belíssimas questões.

Na antiguidade as questões sobre o universo eram apenas filosóficas ou havia uma procura com alguma base científica?
Havia a hipótese atomista, segundo a qual a natureza é formada por átomos. Há aquela frase que ilustra bem o seu pensamento: “Não vemos por que motivo a natureza teria esgotado as possibilidades combinando os átomos de modo a formar um único mundo.” É muito profundo, como ideia, e ao mesmo tempo muito certeiro. É, a esse nível, uma reflexão filosófica. Devemos imaginar que existem outros mundos. Depois há Epicuro que, no século III a.C., numa carta muito famosa, admite a existência de uma infinidade de mundos no cosmos, em que alguns certamente devem ser habitados e outros não. Faz uma nuanceao sublinhar que não haverá vida em todo o lado. É interessante poder imaginar há uns dois mil anos um filósofo sentado em cima de um calhau à beira-mar a discutir este tipo de matérias.

Disse que, com os atuais instrumentos, eventualmente teremos a possibilidade de responder àquela pergunta fundamental. Qual é o peso deste “eventualmente”?
É preciso perceber que vamos analisar a composição química das atmosferas dos planetas. Se tomarmos o sistema solar, temos o Sol e a Terra, que reflete uma pequena parte da luz que recebe do Sol. Se está a uma distância muito grande, isso significa que a luz que nos chega do planeta é muito pequena. Temos essa dificuldade enorme. É preciso esconder a luz da estrela para isolar a luz que vem do planeta, de modo a conseguirmos fazer uma análise química da atmosfera do planeta. Está fora de questão enviar uma qualquer sonda ou nave até esses planetas extrassolares. É muito, muito longe. Mas podemos analisar à distância a química do planeta e ver se tem biomarcadores, assinaturas químicas na atmosfera que nos permitam concluir que possa haver vida a desenvolver-se. Identificámos certos átomos, ou certas moléculas, que nos permitem ter fortes suspeitas de que possa haver vida por ali. O primeiro elemento que nos diz algo neste domínio é uma afirmação que foi feita há uns 30 anos. Se compararmos a luz emitida por Vénus, Terra e Marte, três planetas irmãos, concluímos que a Terra é a única a ter 20% de oxigénio. Se alguém, a uma grande distância, observasse a Terra, e visse essa assinatura, poderia concluir pela probabilidade de existência de vida na Terra. Não é uma prova. Até porque há outras possibilidades.

Há vida noutros locais?
Um prémio Nobel de biologia, Christian de Duve, via a vida como um imperativo cósmico. Ou seja, se todas as condições estão presentes, a vida emergirá. Não está só nesta ideia de que a vida emerge de uma maneira natural. Esse ponto de vista seria provado se encontrássemos vida em muitos planetas extrassolares. Potencialmente, somos um subproduto normal da evolução do Universo.

É provável que haja noutros planetas não apenas vida como vida mais elaborada? É possível encontrar essa vida?
Primeiro, é altamente provável que a vida exista algures. Em segundo lugar, temos muito provavelmente os instrumentos técnicos. Mas quando falamos de vida, não pressupomos uma vida idêntica à que conhecemos na Terra. Uma unidade celular já é vida. A vida elaborada, complicada, no limite pensante, consciente, tecnologicamente desenvolvida, é toda uma outra questão. A maior parte da vida na Terra era ocupada por uma forma de vida unicelular. Encontrámos colónias unicelulares há 3500 milhões de anos. O homem apareceu no último milhão de anos. Chegámos verdadeiramente tarde. É preciso olhar para estas coisas com alguma distância. Uma célula é já vida com um dado fundamental: soube transmitir a sua informação às gerações seguintes. O código genético é uma maravilha. É uma longa sequência de átomos, muito longa e muito complicada, mas que cobre a totalidade de como funcionamos. Isso é inacreditável e admirável.

Teremos sempre o problema da distância dos outros planetas?
Sim, indiscutivelmente. O homem foi à Lua. A luz demora um segundo a chegar lá. Uma estrela que se situe a uma dezena de anos-luz representa um bilião de segundos a mais. Considerar esta hipótese é simplesmente absurdo. Depois temos de perceber que vamos pagar o preço da utilização de combustíveis. Não podemos ir. Temos de saber viver aqui e saber preservar o planeta que temos. Não há plano B.

O que é que se sabe hoje sobre os planetas extrassolares?
Sabemos que há planetas por todo o lado. E muitos. Quase todas as estrelas têm sistemas planetários. Isso significa centenas de milhares de planetas. Há planetas muito pequenos, rochosos, e outros gasosos. Creio que atualmente já foram detetados quatro mil sistemas planetários. Sabemos que os sistemas planetários são muito diferentes uns dos outros. Não são cópias do nosso sistema solar.

É uma diversidade complexa?
É, mas ao mesmo tempo diz-nos muito sobre os mecanismos de como se formam os planetas. Ou como se formou o sistema solar. Penso que entrámos agora numa época em que temos os instrumentos para analisar a composição química das atmosferas. A Europa construiu um telescópio com 39 metros de diâmetro. A espetroscopia, a análise das atmosferas planetárias, vai conhecer grandes desenvolvimentos.

Está otimista?
Estou otimista. Não será no próximo ano que teremos respostas. É tudo muito caro. As missões espaciais são caras, é verdade. Mas, se reparar, desde a antiguidade que os reis e outros poderes pagaram para que se investigassem estas coisas. Kepler era um astrónomo pago pelo rei. Porquê? Porque se considerava que isso fazia parte da cultura, do saber necessário. Era importante perceber como evoluiu o nosso universo. Nos tempos primitivos havia uma espécie de angústia perante o céu. Sabemos de todas as angústias ligadas aos cometas, ou das mensagens de infelicidade. Viver numa sociedade que elimina tudo o que não é rentável — a ópera, a pintura, o bailado, a música — seria muito triste.

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