ionline.sapo.ptionline.sapo.pt - 20 jan. 12:14

Poluição. Há mais microplásticos do que larvas de peixe no estuário do Douro

Poluição. Há mais microplásticos do que larvas de peixe no estuário do Douro

São poucos os estudos made in Portugal que se debruçam sobre o problema dos microplásticos, mas a partir das investigações mais recentes já é possível concluir que há motivos reais para preocupação: as aves aquáticas de todo o país estão a comer plástico que confudem com alimento, enquanto para cada larva de peixe no estuário do rio Douro há 1,5 microplásticos

Em Portugal, a comunidade académica e científica está agora a dar os primeiros passos no estudo dos microplásticos e dos impactos que têm no ambiente. O i fez várias pesquisas em revistas científicas e contam-se pelos dedos os estudos nacionais que se debruçam sobre a temática. Ao i, os autores de dois deles confirmam que esta é uma temática que vão continuar a estudar, porque há ainda muito para compreender.

Publicado em janeiro na revista Marine Pollution Bulletin, o estudo “Plastic ingestion in aquatic birds in Portugal” (em português, “Ingestão de plástico em aves aquáticas em Portugal”) mostra que o flagelo dos microplásticos não é apenas uma realidade estrangeira: pelo contrário, já está a afetar, e muito, a vida selvagem em território português.

Ao i, a investigadora Marta Basto, que desenvolveu a pesquisa durante o mestrado em Biologia Marinha na Universidade do Algarve, faz a apresentação: “Este é um tipo de estudo utilizado para monitorizar o plástico que existe nos oceanos, rios e lagos. Não havia estudos que incluíssem todo o Portugal continental”. Marta Basto decidiu então colmatar essa falha e, em estreita colaboração com vários centros de todo o país, como o LxCras – que cederam as aves para estudo, reunidas pelos vários centros entre 2007 e 2017 – analisou o conteúdo do estômago de 288 aves de um total de 16 espécies. De acordo com o estudo, “todas as aves usadas nesta investigação foram encontradas isoladas, devido a lesões, doença ou exaustão. Estavam mortas quando foram admitidas nos centros ou morreram naturalmente durante a estadia”.

A análise revelou que das 288 aves recolhidas, 37 – pertencentes a seis das 16 espécies em estudo – tinham resíduos de plástico no estômago. Além disso, foram encontrados vários tipos de plástico, mas o mais comum foi o microplástico. “Isso indica que as partículas mais pequenas de plástico estão mais biodisponíveis e têm mais hipóteses de serem acidentalmente ou seletivamente ingeridas que os resíduos maiores”, conclui a investigadora.

“As nossas aves estão a ingerir plástico em grande número. Muitas vezes confundem com alimento. Não estava muito à espera deste resultado, porque se olharmos do ponto de vista de um cidadão comum, quando vamos à praia, por exemplo, não vemos grandes quantidades de plástico, mas os resultados mostram que ele existe”, lamenta Marta Basto.

A par das aves aquáticas, também através do estudo dos peixes é possível medir a quantidade dos microplásticos nas águas. Esse foi, de resto, o objeto de estudo da investigação portuguesa publicada em dezembro na revista Science of the Total Environment. Em “Microplastic contamination in an urban estuary: Abundance and distribution of microplastics and fish larvae in the Douro estuary” (“Contaminação por microplástico num estuário urbano: abundância e distribuição de microplásticos e larvas de peixe no estuário do Douro”, em português), conta ao i a investigadora Sandra Ramos do CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, “o objetivo inicial era estudar as comunidades de larvas de peixe – a primeira fase de desenvolvimento do ciclo de vida dos peixes – que existem no estuário do rio Douro. Depois, decidimos comparar a abundância das larvas com os microplásticos existentes”.

Entre dezembro de 2016 e dezembro de 2017, a equipa recolheu então amostras no rio todos os meses. “No laboratório, separámos as larvas de peixe para as contarmos – contabilizámos um total de 1498 – e identificámos as espécies. O resto da amostra sofreu vários tratamentos laboratoriais para ficarmos só com as partículas de plástico – os microplásticos, partículas com tamanho inferior a cinco milímetros – e ficámos com um total de 2152 partículas”, recorda ao i a investigadora.

A partir daí, foi possível chegar logo a uma conclusão. “A dimensão dos microplásticos é muito próxima da das larvas de peixe, e aqueles que têm dimensões inferiores às das larvas acabam por se assemelhar ao zooplancton, que é o alimento das larvas de peixe”, diz Sandra Ramos. Mas confundirão as larvas os microplásticos com o alimento? A investigadora acredita que sim. “O problema é que os plásticos bloqueiam fisicamente canais da larva como o tubo digestivo e o animal morre. O que pode acontecer também é as larvas ficarem com uma falsa sensação de saciedade, porque o estômago fica cheio, o volume aumenta, mas aquilo não é alimento e não tem nutrientes, e então o animal não tem energia, não cresce e acaba por morrer. Seria o mesmo que nós enchermos o estômago de pedras”, exemplifica.

Os microplásticos trazem consigo outro tipo de problemas indiretos: contêm químicos e transportam poluentes que se depositam na sua superfície e prejudicam as espécies aquáticas. Além disso, tapam a luz que entra na coluna de água, diminuindo a incidência de luz que chega aos peixes, explica Sandra Ramos.

Os investigadores dizem-se surpreendidos com a abundância de microplásticos,. “Estavam presentes em todas as amostras que recolhemos na zona entre a foz do rio e perto da barragem, no fim do estuário do rio Douro. Cobrimos a extensão toda e todas as amostras que recolhemos tinham microplásticos. É assustador, principalmente sabendo nós que não era suposto eles estarem ali”, diz ao i Sandra Ramos. De acordo com as contas da equipa, o rácio é de uma larva de peixe para 1,5 microplásticos. “Há sempre mais microplásticos do que larvas de peixe”, lamenta a cientista. Contudo, o estudo revelou outra evidência inesperada: “Verificámos que os microplásticos são mais abundantes quando chove mais e o rio traz mais água de montante e tem maior caudal”. E o que pode isso significar? “Isso aponta no sentido de que as fontes de contaminação são terrestres. Vêm de cima e não do mar”, elucida Sandra Ramos.
Fechado este capítulo, a equipa do CIIMAR já tem planos para estudos futuros. “É uma área muito pouco investigada no país e há muito por fazer. A seguir, queremos tentar descobrir quais poderão ser as potenciais fontes de contaminação, por um lado, e investigar se destas larvas que encontrámos algumas ingeriram microplásticos. Ao longo do estuário, verificámos que os microplásticos também estavam em maior abundância numa zona em específico, entre a Ponte da Arrábida e a Ponte do Freixo. E também queremos tentar perceber isso, porque é que se acumulam mais aí”, conclui a investigadora.

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