expresso.pt - 20 jan. 11:00
Faranaz Keshavjee: “A pátria não é só a língua”
Faranaz Keshavjee: “A pátria não é só a língua”
Nasceu em Moçambique. Vive em Portugal desde 1974. Especializou-se em Estudos Islâmicos e Humanidades em Londres e, mais tarde, em Cambridge. As questões de género e identidades sociais dos muçulmanos em Portugal são um dos seus focos
FOTO ANA BAIÃO
O ódio alimenta-se do medo que a diferença traz?
O medo vem do desconhecido. É difícil odiar quando se é educado para o pluralismo. Mais do que saber conviver com a diferença, o pluralismo implica construir com a diferença, mesmo quando não se gosta dela.
O terrorismo acabou por trazer mudanças à forma como vivemos: nuns casos mais hedonistas, noutros mais vigilantes. Como vive?
Vivo consciente das minhas responsabilidades na investigação e no ensino. Falo e escrevo sobre a história e fenomenologia do Islão — o terrorismo trouxe a necessidade de conhecer aquilo que a historiografia ocidental até hoje ou negligenciou ou deturpou.
A banalização do mal está à vista de todos e isso não nos mudou a essência. Não é preocupante?
A linha ténue que separa o Bem e o Mal depende do exercício crítico, sistemático, relativamente ao que a maioria pensa e faz. Quando pensamos e agimos como a maioria, é porque algo não está bem...
Se as religiões baseiam os seus pilares na paz e na união, o que continua a falhar?
A sede de poder dos homens. E quando a isto se soma a iliteracia e a pobreza, então falha tudo!
Que visão tem sobre o Papa Francisco?
Muita estima e admiração!
Os muçulmanos resistem mais à mudança ou esta é apenas a leitura do Ocidente?
A oposição entre “Ocidente” e “Islão” é um constructo colonialista e racista. Sempre que se pedir a um cidadão português, ou europeu, para explicar a sua “origem”, ou etnicidade, está a pedir-se, principalmente, que ele ou ela se desintegrem do colorido tecido cultural onde achavam que cabiam. A consequência será a internalização cognitiva das representações hegemónicas. A orientalização, ou “arabização”, do Islão e dos muçulmanos, e a atribuição da sua relativa menoridade civilizacional, só contribui para a criação de self-fulfilling prophecies.
Veio para Portugal em 1974. Há uma primeira imagem que mantenha intacta?
Falar o português moçambicano e perceber que, afinal, só os “retornados” falavam assim.
Fazemos nós a nossa pátria?
A pátria não é só a língua; é também a oportunidade de servir politicamente.
O ensino deve reforçar a aposta na formação do indivíduo e não tanto do aluno?
O ensino é o instrumento-chave para a formação de uma identidade. Em Portugal ele negligencia a sua capacidade integradora. Não se pode esperar que os indivíduos ganhem competências sociais e humanas de tipo cosmopolita quando na história das ciências e das humanidades não incluímos todos os diferentes que jogam nas seleções nacionais de futebol! O resultado é sempre um choque civilizacional.
Que desejo formulou para este novo ano?
Permanecer otimista e firme na fé — 2019 não vai ser um ano fácil.