observador.ptObservador - 2 abr. 00:10

Os recentes avanços no setor da IA são uma benção ou uma maldição?

Os recentes avanços no setor da IA são uma benção ou uma maldição?

Quanto tempo irá demorar até não existir um único inventor humano? A criatividade original do “inventor humano” irá ficar limitada à programação, via introdução de dados/algoritmos?

Vivemos em tempos interessantes.

Nas últimas semanas a internet tem sido inundada de notícias sobre os avanços tecnológicos no sector da inteligência artificial (IA), em concreto sobre o lançamento do GPT-4 (sem esquecer, claro, o lançamento da Bing AI ou, mesmo, do Google Bard).

O lançamento deste tipo de sistemas de IA generativa promete revolucionar a maneira como a sociedade interage com a tecnologia (e vice-versa?). Além de melhorar a experiência do usuário em termos de eficiência, apresenta funcionalidades e caraterísticas para impulsionar múltiplos setores a uma velocidade estonteante e num rácio que excede todas as previsões.

Sucede que a IA, além de apresentar argumentos para impulsionar determinados setores, parece também apresentar cada vez mais argumentos para dominá-los.

Curiosamente, existem atualmente dois processos judiciais a decorrer nos EUA cujo desfecho pode vir a contribuir (ou não) para esse domínio.

Recentemente, Stephen Thaler, um cientista de computação, apresentou uma petição junto do Supremo Tribunal dos EUA a defender que, de acordo com a Patent Act, as patentes de invenções podem ser legalmente atribuídas a sistemas baseados em IA enquanto inventores, ao invés de apenas a inventores humanos.

Stephen Thaler argumenta que a IA é uma farramenta essencial para múltiplos domínios, tais como a saúde ou a energia, e promove a inovação. Segundo a sua lógica, negar a atribuição de patentes a invenções criadas por sistemas baseados em IA afeta a eficiência do sistema de patentes cujo principal propósito reside na promoção do progresso e avanço tecnológico.

O cientista defende ainda que a definição de inventor constante da Patent Act não se encontra limitada a seres humanos e que a linguagem utilizada neste tipo de leis devia ser flexível o suficiente para ser adaptada aos avanços tecnológicos.

Em caso de sucesso, quais são as consequências em termos laborais, sociais e culturais? Quanto tempo irá demorar até não existir um único inventor humano? A criatividade original do “inventor humano” irá ficar limitada à programação deste tipo de sistema, via mera introdução de dados/algoritmos? E, em geral, a criatividade original irá depender exclusivamente da qualidade e capacidade de processamento do sistema em causa, ou seja, dos recursos económicos do proprietário do “inventor artificial”?

São questões que, para já, ficam sem resposta.

Outro caso digno de menção é a batalha judicial que a DoNotPay (a startup responsável pela criação do “primeiro robô-advogado do mundo”) irá enfrentar nos próximos tempos.

Os autores da ação coletiva alegam que o rótulo de “primeiro robô-advogado do mundo”, além de incorreto, é ilegal, pois o robô da DoNotPay não tem qualquer licenciatura em Direito, não tem licença para praticar atos de advogado em nenhuma jurisdição e, além disso, opera sem a supervisão de um advogado e sem apresentar as necessárias qualificações para o efeito.

Segundo a ação coletiva, a DoNotPay não passa de um mero website que fornece um conjunto de minutas legais de baixa qualidade e preenchidas com base na informação disponibilizada pelos clientes.

Entretanto, o CEO da DoNotPay já reagiu através do Twitter, afirmando que talvez até utilizem o seu rôbo-advogado para se defenderem no âmbito deste caso…

Será sensato descaraterizar e desumanizar o processo judicial, cujas relações interpessoais se afiguram essenciais para a salvaguarda da sua “função simbólica clássica”? Qual será o resultado dessa descaraterização e desumanização nas cada vez mais “frágeis” relações interpessoais, essenciais para “a formação e transmissão de valores, cultura e identidade”, como tão bem alertou o presidente da Associação Sindical dos Ju��zes Portugueses (ASJP) no discurso de abertura do XII Congresso dos Juízes Portugueses a propósito da utilização de inteligência artificial nos tribunais?

Novamente, estamos perante questões que, por ora, ficam sem resposta.

E estes, são apenas dois de inúmeros e preocupantes exemplos.

Vivemos, pois, em tempos interessantes. Como nos diz a sabedoria chinesa: “é uma maldição viver em tempos interessantes”.

NewsItem [
pubDate=2023-04-02 01:10:51.0
, url=https://observador.pt/opiniao/os-recentes-avancos-no-setor-da-ia-sao-uma-bencao-ou-uma-maldicao/
, host=observador.pt
, wordCount=615
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2023_04_01_637237322_os-recentes-avancos-no-setor-da-ia-sao-uma-bencao-ou-uma-maldicao
, topics=[opinião, inteligência artificial, programação]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]