eco.sapo.pt - 1 abr. 17:19
“Mais de 90% das novas empresas cubanas são do setor privado”
“Mais de 90% das novas empresas cubanas são do setor privado”
Antonio Carricarte, presidente da Câmara do Comércio de Cuba, diz que o país está focado no desenvolvimento económico. Quer mais produtividade, empresas privadas e investimento estrangeiro.
Cuba é um país sempre “em transformação”, onde o “conceito de revolução é permanente”. Quem o garante é Antonio Carricarte, presidente da Câmara do Comércio da República de Cuba. Em entrevista ao ECO, o responsável diz que este território insular localizado no mar do Caribe é mais do que turismo.
O foco está em aumentar a produtividade, incentivar a criação de empresas privadas e o envolvimento jovem e obter investimento estrangeiro para crescer mais e “de forma sustentável”. Até agora, Espanha e Canadá são os maiores investidores, mas Portugal “já está presente” no país com três empresas e “há outras que estão a mostrar interesse no setor do turismo”.
O que aconteceu à economia do país desde que Fidel deixou o poder em 2008?Houve uma continuidade do percurso. É de destacar a criação de pequenas, médias e micro empresas que, nos últimos tempos já são mais de 7.000 em vários setores, públicas e privadas. Mais de 90% das novas empresas são do setor privado e dedicam-se a diferentes setores: construção, serviços, produção agroalimentar e informática.
Estabeleceu-se um Plano Nacional de Desenvolvimento, que define os principais setores económicos onde vamos apostar e quais as prioridades que vamos ter até 2030. Os setores de maior destaque serão a produção alimentar, energia renovável, saúde, indústria farmacêutica e biotecnológica, produção industrial e turismo — especificamente o turismo de saúde, onde Cuba tem um amplo potencial.
Que objetivos económicos querem alcançar?Um dos objetivos é apostar em projetos em diferentes setores, contando com a participação de empresas públicas e privadas. Queremos resolver os problemas estruturais da economia cubana e ter acesso ao mercado internacional de forma mais competitiva, passando da exportação de produtos básicos à exportação de produtos com maior valor acrescentado (como o açúcar e o café).
Creio que o turismo continuará a ser essencial. Mas, no imediato, o fundamental é aumentar a produção de alimentos e apostar em fontes energéticas renováveis. Para tudo isto o investimento estrangeiro é fundamental. Queremos que participem na comercialização e sejam fomento para a indústria e cultura.
Como é que o Governo tem incentivado a criação de empresas privadas?Mais de 90% das novas empresas são do setor privado e dedicam-se a diferentes setores: construção, serviços, produção agroalimentar e informática.
Antonio CarricartePresidente da Câmara do Comércio da República de Cuba
Primeiro que tudo com a própria criação. Há alguns anos isto não estava presente na economia cubana. Hoje, não só estão as empresas privadas, como também cooperativas. Inclusivamente, as empresas do setor privado converteram-se num fator dinâmico já criaram a possibilidade de substituir a importação de certos serviços e produtos e contribuíram para as exportações do país (essencialmente em produtos agrícolas, mas também em produtos com maior conteúdo tecnológico).
Mas ainda é muito prematuro avaliar o resultado das medidas. Esperamos que continuem a crescer, até porque tem tido um grande impacto na criação de emprego. Nos próximos anos contaremos certamente com um fortalecimento da união entre o setor público e privado e, principalmente, com mais investimento estrangeiro.
A economia cubana já recuperou do impacto da pandemia?Estamos num processo de recuperação. Em 2021 o nosso PIB cresceu 2%. O estimado para este ano é entre 3 e 4%. Não falamos, portanto, de uma recuperação, mas de um caminho de recuperação. Para isso tem havido uma abertura do país ao investimento estrangeiro e uma aposta nas relações com outros países. Também temos apostado na ciência e inovação e na transformação digital. E temos valorizado muito a participação dos jovens na vida económica e social.
Como é que incentivam a participação jovem?Temos incorporado os jovens na transformação do país. Têm sido criadas empresas de interface em muitas universidades, que têm como objetivo transladar o conhecimento para a produção, convertendo-o em projetos e negócios, atraindo os jovens diretamente para lá. Assim criou-se o Parque Tecnológico de Havana.
Além disso, temos também muitos jovens já a dirigir empresas e envolvidos em organizações. Uma boa parte das empresas criadas no setor privado são de jovens muito talentosos que têm aplicado os seus conhecimentos. Outro exemplo: muitos dos deputados que se estão a candidatar às próximas eleições [no dia 26 de março] são jovens.
Porque é que Cuba deve estar “na mira” do investimento estrangeiro?Temos vários atrativos. O primeiro é a natureza das suas gentes, e temos também uma identidade histórica e cultural única. Em Cuba há segurança social e jurídica, que está assente nas nossas leis. Há estabilidade governativa e há, de certa forma, uma previsibilidade. Há um nível de criminalidade baixo comparado com alguns países do sul. E há responsabilidade civil.
Mas o país tem estabilidade económica?O importante é garantir a sustentabilidade dos projetos. Queremos garantir que os projetos que temos são, desde o início, sustentáveis financeiramente e que contam com a liquidez externa. E isto dará solidez ao projeto que queremos montar em Cuba.
Antonio CarricartePresidente da Câmara do Comércio da República de Cuba
Cuba sempre teve problemas económicos devido ao bloqueio dos EUA. Mas o que aconteceu em 2021 foi inédito. Cuba foi incluída na lista de países patrocinadores de terrorismo [pelos EUA], o que é absolutamente mentira e reconhecido internacionalmente. Isso teve impacto sério nas relações financeiras, no comércio e nos bancos do país. Só no turismo perdemos quase cinco milhões de visitantes, uma remessa abruptamente interrompida devido ao governo dos EUA.
Depois tivemos uma pandemia e Cuba não teve acesso à vacina nem a outros medicamentos. A sorte foi o nível de ciência que o país tem neste momento. E, graças a isso, conseguimos restaurar a segurança, ultrapassar a Covid e começar a crescer. Houve muita instabilidade, mas mesmo assim o país resistiu. E agora, com estas mudanças, a economia vai crescer de forma sustentável, utilizando toda a força que a nossa sociedade tem.