eco.sapo.ptRicardo Pinheiro Alves - 1 abr. 08:00

Renovar Portugal

Renovar Portugal

Portugal “afunilou” do Império para a Europa e do ouro para os subsídios. Mas a história mostra que se desenvolve quando coloca o Homem no centro da sua visão e se torna um país aberto ao exterior.

O Presidente da República afirma que não há alternativas no Portugal de hoje. O governo não tem uma visão para o país. É necessário renovar Portugal. Uma forma de o fazer é recuperar os valores essenciais do ser português.

Os portugueses aliam uma visão humanista democrata-cristã centrada na preocupação com o Homem (mesmo quando disso não se apercebem e lhe chamam social) à valorização conservadora das tradições formadas em comunidade e ao dinamismo liberal do mérito e do esforço criador individual.

A renovação de Portugal não significa mudar esta visão, mas sim reforçá-la e recolocá-la no centro das decisões nacionais, pois são estes os princípios orientadores que permitem harmonizar o desenvolvimento económico com a manutenção das referências e dos valores que nos distinguem enquanto portugueses, e que criam as condições para a melhoria continuada da nossa qualidade de vida.

Uma opção que se esgotou

Os tempos mudaram e que com eles desapareceu o optimismo que há quase meio século surgiu com o acesso à liberdade e ao sistema democrático, e com o recentrar do enfoque de Portugal na Europa.

Onde antes estava a expectativa de convergir com os países mais desenvolvidos do planeta, está hoje a tristeza da divergência no desenvolvimento que levou Portugal a cair para a cauda dos países europeus.

Portugal substituiu ao longo dos últimos 50 anos o excessivo enfoque na manutenção do Império dos séculos XIX e XX com o afunilamento exagerado numa dependência face à União Europeia (UE) e ao seu dinheiro

Os portugueses colocaram-se numa situação de dependência quase absoluta face a uma UE “rica” mas estagnada, com uma população envelhecida, uma dinâmica económica limitada e onde as únicas soluções que apresenta são uma maior concentração do poder de decisão nas suas instituições, desvalorizando a necessidade de maior legitimação democrática pelos povos que a constituem.

Portugal adoptou políticas erradas baseadas na atitude reactiva de copiar as opções políticas de países mais desenvolvidos e com mais recursos. Os sucessivos governos apostaram na imitação das políticas dos países da UE em todas as áreas: educação, saúde, justiça, segurança, defesa, qualificações e formação, sustentabilidade ambiental, competitividade, investigação, inovação tecnológica e digitalização, etc.

O objectivo de melhorar as condições de vida da população é consensual, mas é comum a todos os países e não é uma visão própria e original. Além disso, as políticas requerem recursos e os países mais desenvolvidos têm mais meios do que Portugal, pelo que a aposta das últimas décadas na imitação e na focalização excessiva no mercado doméstico dificilmente poderiam ter levado a uma convergência das condições de vida dos portugueses com os europeus. O resultado dos últimos 20 anos foi o desalento causado por um medíocre aumento do nível de vida e de um reduzido crescimento económico – inferior a 0,5% por ano.

Os últimos sete anos reforçaram a ideia de que em Portugal nada mudou, e que os problemas do desenvolvimento, do elevado endividamento, da falta de capital e de investimento produtivo, da excessiva dependência da procura interna e dos subsídios externos, e da fraca produtividade não foram enfrentados e estão exactamente na mesma.

Em Portugal, os governantes não têm uma visão para o caminho que o país deve seguir para ultrapassar este falhanço. A falta de uma visão original, como foram os Descobrimentos há seis séculos, confirma que nas últimas décadas não houve uma liderança política capaz de estabelecer um objectivo mobilizador para os portugueses. São sempre os mesmos discursos e as mesmas palavras, requentados e repetidos por caras diferentes e cada vez menos convincentes.

Seguir o seu próprio caminho

Este falhanço mostra que Portugal precisa de uma resposta própria – e não de uma imitação “barata”. Esta resposta terá de ser dada num contexto em que o centro do sistema internacional se desloca para o Pacífico e se fracciona em diferentes agentes (empresas, ONGs, organizações internacionais, etc.).

Ao contrário do que Camões referiu sobre os portugueses que “Novos mundos ao mundo irão mostrando“, Portugal continua menos integrado na economia internacional do que a maioria dos países europeus.

A História antiga e a recente mostram que foi nos períodos em que a ênfase foi dada aos novos mercados que os portugueses mais se desenvolveram. O desenvolvimento alcançado com a epopeia dos Descobrimentos, em que vencemos o nosso isolamento na Europa, e o “regresso” ao continente na década de 1960, com a adesão à EFTA, e após 1986, data da adesão às comunidades europeias, demonstram-no.

Mas as mudanças do mundo expuseram uma Europa esgotada. Por isso, renovar Portugal implica reduzir a excessiva dependência da Europa e procurar novos caminhos em outros cantos do Mundo.

Uma visão para Portugal que procure novos caminhos nas zonas mais dinâmicas e com maior potencial do planeta – na Ásia, em África e na América – e onde os portugueses possam reforçar as três dimensões que os caracterizam – humanista democrata-cristã, que impulsiona o desenvolvimento para a pessoa humana, conservadora nos seus valores e nas suas tradições de seis séculos, e empreendedora pelo mérito e pela capacidade criativa que dinamiza o crescimento económico.

A renovação de Portugal não significa que o país deva ambicionar ser a grande potência de outrora, fundadora de um novo império. Os tempos são outros, e a sua dimensão, o seu desenvolvimento e a sua localização cada vez mais periférica torná-lo-iam impossível mesmo que fosse desejado. Pelo contrário, como país pequeno que é Portugal deve reforçar a participação em alianças – NATO, UE, PALOP – mas sem nelas se “diluir” e “anular”. Para evitar que isso aconteça tem de compatibilizá-las com o seu próprio caminho.

Renovar Portugal é, por isso mesmo, apresentar uma resposta completa que aplique os princípios e os valores essenciais do ser português aos novos tempos e que dê uma nova esperança aos portugueses, que os faça sentir orgulho de Portugal e que faça do nosso país um exemplo a seguir para os outros povos:

  • Voltar aos princípios orientadores e abandonar modas efémeras que surgem diariamente, recusando o fundamentalismo igualitário que só nos empobrece;
  • Buscar novas gentes que cortem com as práticas “bolorentas” seguidas nas últimas décadas;
  • Focar no essencial que são os portugueses e a sua vida em vez de discutir o que é acessório;
  • Minorar as práticas de imitação e conhecer Portugal e as suas características, e usar esse conhecimento para afirmar o país;
  • Ultrapassar os vícios instalados e as dependências alimentadas pelo facilitismo dos subsídios e dos incentivos à indolência, e trocá-las por uma visão que aplique regras de vivência em comunidade assentes na responsabilidade de cada um por si e pelos que lhe estão próximos.

O interesse próprio de uma pequena economia endividada como a portuguesa tem de ser mais do que simplesmente reagir ao curso dos acontecimentos a nível internacional. Tem de passar pela implementação de reformas urgentes e mudanças estruturais necessárias que permitam a Portugal ser um exemplo em todo o Mundo, e um motivo de orgulho para os portugueses.

Portugal precisa de ser mais autónomo e mais virado para o exterior, um país que gere riqueza para todos – no interior e no litoral; no Norte, no Sul e nas ilhas; no campo e nas cidades.

Portugal precisa, acima de tudo, de uma visão e um objectivo mobilizador, e de novas pessoas que a ponham em prática e assumam um papel de liderança no desenvolvimento do país.

Como Democracia que ambiciona o melhor para a sua população, Portugal precisa de afirmar um interesse próprio que reforce a sua autonomia e interdependência face ao Mundo.

Portugal “afunilou” do Império para a Europa e do ouro para os subsídios. Mas a história mostra que Portugal se desenvolve quando coloca o Homem no centro da sua visão, segue a tradição e se torna um país aberto ao exterior, e toma a iniciativa de procurar oportunidades em outras zonas do Mundo.

Renovar Portugal é seguir este exemplo de humanismo, tradição histórica e dinamismo económico. É a concretização desta visão de Portugal renovado que é urgente para o nosso país.

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