sol.sapo.ptDinis de Abreu - 31 mar. 00:00

A broa que falta a Santos Silva…

A broa que falta a Santos Silva…

Com a Academia em ‘banho Maria’, e mesmo que a legislatura chegue ao fim, será improvável que Santos Silva renuncie a disputar Belém.

Quando Augusto Santos Silva não escondeu o gosto de «malhar na direita» - algo que André Ventura tem sentido amiúde na pele, sem direito a ser citado nas jornadas socialistas -, ou quando mais tarde, comparou a concertação social a «uma feira de gado», as ambições do atual presidente da Assembleia da República pareciam ainda circunscritas a não ‘ficar de fora’ de sucessivos governos, desde que António Guterres o convidou para a Educação.

Nesse circuito, Santos Silva apanhou-lhe o gosto e não foi esquisito, ao arrecadar várias pastas ministeriais, em jeito de ‘pau para toda a obra’. E, além da Educação, esteve na Cultura, nos Assuntos Parlamentares, na Defesa e nos Negócios Estrangeiros, numa demonstração de polivalência, que deve fazer inveja aos seus pares sociólogos, embora sem nunca ter deixado marca que se visse por onde passou.

Cedo se percebeu, no entanto, que, alçado a número dois na hierarquia do Estado, Santos Silva não se limitaria à formalidade de presidir aos trabalhos dos deputados no hemiciclo. E, num ápice, depressa admitiu numa entrevista - ou, pelo menos, não excluiu - a vontade de chegar ao topo, desdobrando-se, incansável, em variadas atividades extraparlamentares de inequívoca natureza autopromocional.

E tem-se desdobrado tanto - ao deslocar-se, frenético, por várias ‘paróquias’ -, que corre o sério risco de ser confundido como um ‘duplo’ de Marcelo Rebelo de Sousa, falando a propósito e a despropósito, em aberta concorrência com o pioneiro do comentário político, a quem já critica quando pode.

Recorde-se, aliás, que Santos Silva também foi ‘comentador’ na TVI, com direito a programa Os Porquês da política. Mas foi ‘sol de pouco dura’… 

Santos Silva ‘afinou’ com o fim do programa e não foi de meias medidas, destratando o jornalista então diretor de informação do canal como ‘Ayatollah de Barcarena’, o que é típico da ‘língua afiada’ que lhe atribuem. 

Convirá recordar estes e outros episódios que o caracterizam e lhe moldam a personalidade, quando visivelmente se prepara para não terminar a carreira no cadeirão de São Bento.

Esta urgência de aparecer, impondo a sua presença no espaço mediático, em flagrante contraste com a discrição e sobriedade dos seus antecessores no cargo - descontando, talvez, Ferro Rodrigues, com os seus deslizes e infelicidades -, não acontece obviamente por acaso, nem apenas como forma de dar maior visibilidade à função. 

De facto, se numa fase recuada, Santos Silva partilhou o desejo de deixar a política e de voltar à Academia para se jubilar, o seu atual desassossego contradiz esse ‘recolhimento’ anunciado.

Após dois mandatos de Marcelo e de outros tantos de Cavaco Silva, deve achar que o PS precisa de reocupar o Palácio de Belém, como corolário do sequestro do poder, ao qual se tem aplicado com grande zelo. E deve presumir que lhe sobram trunfos para o conseguir na democracia das urnas. 

Talvez se engane, e lhe saiam as ‘contas furadas’, mas até ao ‘lavar dos cestos’ é natural que se sinta tentado a ir a votos, não obstante negar essa vontade, fiando-se na ideia de que o auditório é tolo. E, para isso, precisa de acumular o capital mediático que lhe falta, para se posicionar em vantagem na ‘grelha de partida’. 

O poder hegemónico que fascina o PS, encontra em Santos Silva um intérprete disponível e empenhado.

Embora tenha trabalhado com diferentes chefes de governo da sua área, desde Guterres a António Costa, foi, contudo, com José Sócrates que Santos Silva se mostrou mais afeto, ao ponto de ter apelado, sarcástico, a Cavaco Presidente - e vale a pena citá-lo com todas a letras - para que «não condecore Sócrates. É que ele não merece tamanha nódoa no seu currículo. Haverá certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de condecorá-lo».

Sócrates não viria a ser condecorado, como alguns setores socialistas queriam. Por isso, é de presumir que na hipótese - remota que seja - de Santos Silva chegar a Belém, guardará para si essa ‘honra’. É bem feito…

Conhecido em setores de esquerda como um político ‘bulldozer’ - e não menos como ‘surfista’, pela agilidade que demonstra em ‘apanhar a onda’ -, Santos Silva já cometeu alguns ‘erros de palmatória’. Em 2014, por exemplo, na ressaca do congresso socialista, proclamava que «António Costa ainda tem de comer muita broa para chegar ao Governo». Um ano depois, afastado António José Seguro, foi o que se viu com a ‘geringonça’.

Enganou-se, mas Costa perdoou-lhe a ‘saída em falso’ e promoveu-o, contribuindo para que hoje se sinta predestinado para outros voos.

Resta saber se, até lá, consegue ainda ‘comer broa’ suficiente…. 

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