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Visão | 7 livros novos em bom português

Visão | 7 livros novos em bom português

De uma antologia da poesia homoerótica aos mais recentes romances de escritores reconhecidos, sete livros de autores portugueses acabados de chegar às livrarias
1. Cem Anos de Perdão, de João Tordo

Não sendo um autor best-seller, João Tordo – um dos escritores herdeiros do legado do Prémio Literário José Saramago, galardão que venceu em 2009, com o romance As Três Vidas – tem feito um caminho assinalável na literatura portuguesa. Desde logo, porque tem o mérito de manter um ritmo invejável de publicação. Consta que tem um baú, à semelhança de Gonçalo M. Tavares, outro Prémio José Saramago… O feito, consegue-o, por certo, à custa da sua dedicação à escrita e ao intenso trabalho que esta exige. Depois, porque João Tordo tem ainda revelado um especial interesse pelo género do policial que, estranhamente, continua sem grande adesão entre nós. Em Cem Anos de Perdão, um calhamaço de quase 600 páginas de uma escrita escorreita e eficaz à boa maneira anglo-saxónica, faz regressar a dupla Pilar Benamor e Cícero Gusmão de Águas Passadas, para um thriller que mistura mistério, religião e, claro, os lados mais sombrios do ser humano. Tudo começa na remota ilha de St. Dismas, ao largo de Inglaterra, onde um crime entre dois irmãos traz à tona o mal-estar entre a comunidade e uma seita de fanáticos que dá pelo nome de Filhos de Dismas – revelando a eterna tensão entre o bem e mal. Sara Belo Luís — Companhia das Letras, 572 págs., €21,95

2. Mãe, Doce Mar, de João Pinto Coelho

Depois dos romances, com personagens inesquecíveis, que nos transportavam para o pesadelo da Segunda Guerra Mundial e da perseguição aos judeus, João Pinto Coelho experimenta libertar-se dessa temática. Desta vez, leva-nos até Cape Cod, na costa de Massachusetts, e a outras paragens americanas, em vários momentos do século XX. Já sabíamos da sua maestria em bem contar uma história, por isso não surpreende este fluir narrativo em torno de um rapaz com muitas perguntas na cabeça, Noah, um excêntrico jesuíta, Frank O’Leary, e uma coreógrafa com segredos chamada Patience. Entre desenraizamentos e abandonos, não é difícil encontrar pontes com as obras anteriores de Pinto Coelho. O escritor explicou que tudo começou com uma primeira frase: “Tinha doze anos quando conheci a minha mãe.” Cabe, agora, ao leitor seguir por aí fora.  P.D.A. — Dom Quixote 200 págs., €15,50

3. Cadernos 20/21, Manual Anti-Angústia, de Aldina Duarte

Não foram raros os casos de quem enfrentou a suspensão do tempo da pandemia alimentando um diário, deixando registados esses tempos bizarros. A fadista Aldina Duarte fez parte desse grupo e partilha o resultado com toda a gente neste volume (com ilustrações de Ana Biscaia). “Vivo estes tempos a pensar um dia de cada vez, focada igualmente em tudo o que faço, seja lavar a loiça, seja aprender latim online com Frederico Lourenço”, escreve. As reflexões disparam em várias direções, muitas vezes motivadas por leituras, memórias pessoais, referências artísticas, nos 40 dias aqui registados (de março e abril de 2020). Há as “saudades do meu fado”, sim, mas não faltam também símbolos mais práticos do confinamento forçado como… uma receita de “pão artesanal para totós”. P.D.A.— Avesso, 128 págs., €15,50

4. A História de Roma, de Joana Bértholo

Depois de Ecologia (2018), um romance sobre um mundo distópico em que até as palavras se vendem e se compram, Joana Bértholo lança este A História de Roma – o qual foi escrito após várias viagens realizadas pela escritora, apesar de estar bem longe do género a que, habitualmente, se chama literatura de viagens. A narradora reencontra-se com um antigo companheiro na sua cidade (Lisboa) e, nesse périplo feito de memórias e de ficções, encontros e muitos desencontros, percorre também outras cidades que integram a sua geografia íntima: Buenos Aires, Berlim, Maputo, Beirute e Marselha. Roma é o nome da filha que não tiveram: “Tornar-se mãe não andará longe de recomeçar a civilização.” Sendo também um romance sobre a maternidade, A História de Roma prova bem que os livros de Joana Bértholo nunca são exatamente sobre aquilo que parecem ser. S.B.L. — Caminho, 30 págs., €21,90

5. A Mulher do Dragão Vermelho, de José Rodrigues dos Santos

Praticamente todos os romances do jornalista e autor de best-sellers José Rodrigues dos Santos nascem de uma associação a temas marcantes da atualidade. O enredo, quase sempre com o temerário professor de História Tomás de Noronha como protagonista, vai-se desenvolvendo em sintonia com uma questão que ocupa largos minutos nos telejornais. Desta vez, no ano em que Xi Jinping reforçou o seu poder, o tema central é a China como potência emergente e a ameaça ao Ocidente que o regime do Partido Comunista chinês representa. A experiência de vida do autor em Macau ajudou, certamente, a contextualizar mais esta aventura de Tomás de Noronha. E nas notas finais, o escritor faz questão de tomar uma posição: falar das “violações dos direitos humanos por parte do PC Chinês não é criticar a China. É defendê-la. Os chineses não são algozes. São vítimas”, lê-se. P.D.A.— Planeta, 576 págs. €22,50

6. O Tamanho do Nosso Sonho é Difícil de Descrever, de Victor Correia e Vladimiro Nunes (org.)

Eis um ambicioso volume que retoma a ousadia de Natália Correia, que em dezembro 1965 publicou uma Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. O lançamento acabou em escândalo nacional e processo em tribunal por ofensa à “moralidade pública”, “bons costumes” e “pudor geral”. Hoje, felizmente, os tempos são outros. A publicação de uma antologia do homoerotismo na poesia portuguesa integra-se certamente na luta pelos direitos LGBTQIA+ (luta essa nunca terminada), mas é acima de tudo uma homenagem a Natália Correia e à sua capacidade de ler o sentido profundo da poesia, para lá de qualquer convenção social. Esse louvor está presente no espírito da antologia e nos desenhos e pinturas de Cruzeiro Seixas, também presente no livro de 1965. O Tamanho do Nosso Sonho é Difícil de Descrever, uma bela e cuidada edição, recolhe 101 poemas de outros tantos poetas, numa seleção de Victor Correia e Vladimiro Nunes. A antologia cobre um longo arco temporal, dos cancioneiros medievais à atualidade, de autores do século XIII a títulos lançados em 2019. O critério de inclusão é igualmente amplo, tal como o equilíbrio entre vozes masculinas e femininas. Por experiência ou observação, evocação histórica ou idealismo, sentimento ou sátira, estes são poemas que celebram o amor e as paixões humanas para que, como diz um poema de Raul de Carvalho, “ninguém saiba,/ para que ninguém diga/ que nós nem do amor/ sabemos”. — Luís Ricardo Duarte — Avesso, 416 págs., €24,40

7. O Santo Ilusionista, de Cláudia Andrade

Já afirmou que um dos motores da sua escrita é a raiva, a ira ou a fúria, não propriamente sua (embora também possa ser), mas das personagens. E é isso que explica a força dos livros que Cláudia Andrade tem vindo a publicar nos últimos anos. Depois de contos dispersos, publicou, em 2020, Quartos de Final e Outras Histórias, seguindo-se duas ficções longas, Caronte à Espera e Um Pouco de Cinza e Glória. Mantendo o ritmo intenso de publicação, lança agora um novo romance: O Santo Ilusionista. Neste caso, a cólera do protagonista é súbita e, num certo sentido, inexplicável. Pelo menos, numa primeira abordagem. Acorda em casa alheia e decide esfaquear um sofá. Inicia-se então a sua fuga, que a escrita de Cláudia Andrade acompanha com detalhe e expressividade, num crescendo de intensidade. Sabemos que ele se “fartou de vez” – mas só aos poucos, à medida que os fios se unem, se percebe porquê. L.R.D. — Elsinore, 224 págs., €17,45

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