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Conhece os teus antepassados para te conheceres a ti mesmo

Conhece os teus antepassados para te conheceres a ti mesmo

Este tempo de Advento que antecede o Natal é perfeito para abrir a arca das memórias, e o programa perfeito para aqueles avós e netos que passam estas férias juntos.

Ana,

Todos os dias me lembro de alguma coisa que tenho pena de não ter perguntado aos meus pais — sobre a vida deles, sobre os segredos e teias da nossa família. Pensava que era um arrependimento só meu, mas já conclui que é universal. E é uma falha que seguramente passa de geração em geração, porque recordo-me de os meus pais se queixarem do mesmo e tenho a certeza de que tu e os meus netos vão também passar por isso.

Por um lado, é óptimo sinal porque significa que, novos e velhos, andamos com os olhos mais postos no futuro do que no passado. E embora não haja ninguém que não goste de falar de si quando lhe puxam pela língua, a verdade é que mesmo nós, os avós, estamos muito mais interessados em conversar sobre o aqui e agora.

Mas, por outro, ficam a faltar-nos peças do puzzle que, muitas vezes, nos ajudariam a entendermo-nos melhor a nós próprios, a reforçar o nosso sentido de pertença, a perceber de onde vimos e para onde vamos. Mas, sobretudo, são histórias fabulosas que se perdem para sempre.

Diagnosticado o problema, vamos resolvê-lo. E este tempo de Advento que antecede o Natal é perfeito para abrir a arca das memórias, e o programa perfeito para aqueles avós e netos que passam estas férias juntos. Vê lá o que achas das minhas ideias:

1. Digitalizar (fotografar com o telemóvel) e identificar quem é quem nas fotografias antigas que andam lá por casa, seja em molduras ou dentro de álbuns. O teu avô Francis escrevia sempre os nomes das pessoas na parte detrás das fotografias, apesar de lhe perguntarmos, num tom irritantemente trocista, coisas como “O pai acha mesmo que nos vamos esquecer de quem é A ou B?”. Posso confirmar que era ele que tinha razão, porque os nomes varrem-se facilmente da memória num prazo de anos, quanto mais de uma geração para a outra.

2. Netos entrevistem os avós. Preparem as perguntas e gravem as respostas. Adorava entrevistar o meu pai, se isso ainda fosse possível — como é que eu, jornalista, nunca o pus a falar da Segunda Guerra, do tempo que passou numa ilha no norte do Reino Unido, na equipa dos serviços secretos que procurava descodificar as cifras dos alemães?! Quantos livros podia escrever com toda aquela informação.

3. Leiam juntos cartas ou diários. Além do mais, os netos ficam a perceber que por muito diferente que fosse o mundo sem telemóveis, nem televisões a cores, os desgostos e as alegrias, as irritações e os conflitos com os pais não mudaram assim tanto. Aposto que voltarão para casa mais tranquilos.

Tens mais ideias?

Querida Mãe,

Alinho. Na verdade, também a vou entrevistar, a si e ao pai. Vou preparar as perguntas.

É tâo curioso porque quando somos mais novos parece-nos a maior seca ouvir falar sobre árvores genealógicas, mas à medida que envelhecemos cresce um interesse gigantesco sobre as nossas raizes. A mim está-me a acontecer precisamente isso.

Acrescento às suas boas ideias:

1. Avós fazerem com os netos uma coisa que os seus pais ou avós faziam com eles no Natal (seja dar um passeio, cozinhar, construir coroas de Advento, ou ver a Música no Coração), qualquer tradição que traga e crie boas memórias.

2. Fazer um desafio muito típico de TikTok que os netos vão adorar: pais e avós têm de reproduzir uma fotografia antiga. Há uma fotografia icónica do avô com a mãe ao colo? Tentem imitar o cenário e o guarda-roupa e tirem outra fotografia na mesma posição. Vai dar gargalhadas e azo a conversas giras.

3. Fazer uma árvore genealógica juntos, no computador ou à mão, um simples desenho ou com outros materiais.

Vamos já começar estas actividades este fim-de-semana prolongado.

Beijos

O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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