observador.ptObservador - 28 nov. 00:04

Segurança contra incêndios em edifícios: uma situação preocupante

Segurança contra incêndios em edifícios: uma situação preocupante

O modelo atual de verificação, manutenção e garantia das condições de segurança contra incêndio assenta no princípio da responsabilização dos proprietários, administradores ou gestores dos edifícios.

Têm sido registados, numa média anual, cerca de 10.000 incêndios urbanos, maioritariamente ocorridos em edifícios habitacionais.

De entre os casos mais mediáticos destacam-se os incêndios no Chiado (1988), que destruiu 18 edifícios, provocou mais de 50 feridos e deixou 2.000 pessoas desempregadas, e em Tondela (2018), que apesar de mais localizado causou 46 feridos e 8 vítimas mortais.

Um incêndio é uma ocorrência de fogo não controlado, potencialmente perigosa para bens e pessoas, danificando estruturas e causando vítimas principalmente por inalação de fumos, e depois por queimaduras. A sua origem está normalmente na ação humana, devido a ignorância, imprudência ou negligência, em particular na utilização de equipamentos elétricos e nos atos de fumar e cozinhar, e tendem a acontecer em horários noturnos ou madrugada, representando maior risco para crianças e idosos.

A segurança contra incêndios em edifícios (SCIE) surge assim como área fundamental para uma proteção ativa e passiva, de modo a evitar ou mitigar danos materiais e humanos.

A proteção ativa baseia-se na implementação de sistemas de deteção e alarme (e.g. detetores e centrais de alarme de incêndio), controlo e extinção (e.g. sistemas de desenfumagem e sprinklers), para avisar sobre um incêndio e impedir a sua propagação. A proteção passiva recorre a soluções construtivas para assegurar a estabilidade do edifício durante o incêndio e criar zonas seguras para a evacuação dos ocupantes e atuação dos bombeiros (e.g. proteção estrutural com materiais mais resistentes ao fogo; compartimentação, portas e selagens corta-fogo).

No sentido de reger e responsabilizar a atuação dos intervenientes no projeto, construção e operação de edifícios relativamente à segurança contra incêndios, durante mais de cinquenta anos existiu um quadro legal bastante amplo, composto por diversos diplomas, mas, contudo, bastante heterogéneo e dificilmente harmonizável, desfavorecendo assim a sua compreensão e aplicação. Procurando ultrapassar esta lacuna, surgiu em 2008 o chamado Regime Jurídico de Segurança Contra Incêndios (RJSCIE), englobando um conjunto de disposições regulamentares de forma mais completa e estruturada.

A SCIE é uma disciplina transversal, ou seja, diz respeito a todas as especialidades de um projeto (arquitetura e engenharias), recaindo a responsabilidade pela sua aplicação e verificação sobre todos, desde os autores e coordenadores de projeto, quanto à conceção, aos empreiteiros, diretores de obra e de fiscalização, quanto à conformidade da execução. Relativamente à manutenção das condições de SCIE, em fase de utilização, remete-se a responsabilidade para os proprietários, administradores ou gestores dos edifícios, dependendo da situação, que inclusive devem adequadamente implementar as chamadas medidas de autoproteção (e.g. planos de prevenção e de emergência e registos de segurança). Dependendo do risco de incêndio, podem também ser obrigatórias formações específicas em SCIE, simulacros e inspeções com determinada periodicidade.

Em geral, a entidade responsável por assegurar o cumprimento da legislação neste domínio é a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), que, sob a administração direta do Estado, também pode credenciar entidades para a emissão de pareceres, realização de vistorias e de inspeções.

A não conformidade com os requisitos legais em vigor (e.g. conceção ou alteração de espaços, materiais e soluções de construção para desempenhos inferiores ao exigido; deficiente instalação, funcionamento ou manutenção de equipamentos de proteção; não execução de medidas de autoproteção e falta de inspeções) pode implicar, dependendo das obrigações de cada entidade e sem prejuízo da eligível responsabilidade civil ou criminal, processos contra-ordenacionais com coimas até às dezenas de milhares de euros, incluindo sanções acessórias como a interdição do exercício da atividade profissional (e.g. para autores de projeto, diretores de obra e de fiscalização) ou da utilização do edifício (e.g. para todos os habitantes, por incumprimentos do lado da administração do condomínio).

Não obstante, a aplicação do RJSCIE para edificações existentes pode revelar-se bastante complicada, principalmente mediante casos de maior vulnerabilidade que requeiram intervenções mais profundas, como em zonas mais antigas, onde a morfologia e a estrutura dos edifícios, o conhecimento técnico requerido e o investimento necessário são desafios principais.

A cultura de prevenção e proteção contra incêndios urbanos, além dos tendencialmente mais mediáticos incêndios florestais, deve ser amplamente promovida, salientando-se casos como os das cidades de Lisboa e do Porto, cuja densidade e o estado geral do edificado são aspetos críticos.

Além das medidas de apoio que têm vindo a ser tomadas para os serviços nacionais de emergência (e.g. INEM e bombeiros), incluindo resoluções do conselho de ministros para realizar campanhas de divulgação de informação sobre o RJSCIE, urge atuar mais a montante, ao nível da proteção ativa e passiva, promovendo iniciativas baseadas no triângulo universidades-governo-empresas e particulares. A sensibilização da população é um fator crítico para responder à problemática do risco de incêndio, ao nível da prevenção e da própria reação em caso de emergência.

O modelo atual de verificação, manutenção e garantia das condições de segurança contra incêndio assenta no princípio da responsabilização dos proprietários, administradores ou gestores dos edifícios, consoante o contexto. Contudo, a não esquecer que a salvaguarda da segurança das pessoas e bens constitui uma função primordial e prioritária do Estado, pelo que a administração pública, através dos seus serviços e organismos e dos municípios, desempenha uma função fiscalizadora fundamental.

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