www.jornaldenegocios.ptjng@negocios.pt (Jornal de Negócios) - 27 nov. 21:50

Marques Mendes: A situação do crédito à habitação é cada vez mais uma dor de cabeça

Marques Mendes: A situação do crédito à habitação é cada vez mais uma dor de cabeça

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os censos, o orçamento de Estado e os sete anos de António Costa como primeiro-ministro, entre outros temas.

CENSOS 2021

  1. O INE divulgou os resultados do Censos 2021. Já sabíamos que estávamos a perder população e a envelhecer. Há, porém, outras verdades em crise:
  • O interior perde população para o litoral. Esta era a verdade adquirida. Agora já não é bem assim. Perde população o interior e perde o litoral.
  • O país urbano está a crescer. Outra verdade em crise. Há país urbano que ganha população; e há país urbano que perde população. Talvez os preços da habitação expliquem a diferença.
  • Os estrangeiros residentes em Portugal ainda são irrisórios. Outra verdade em queda. Se não fosse o efeito da imigração, já estaríamos abaixo dos 10 milhões de habitantes.
  1. Vejamos mais em detalhe alguns dados:
  2. População geral, com e sem estrangeiros: com estrageiros somos 10,3 milhões; sem estrangeiros somos 9,8 milhões;
  3. Principais comunidades de origem estrangeira: Brasil (199,8 mil), Angola (31,5 mil), Cabo Verde (27,1 mil) e RU (24,6 mil). 50% dos estrangeiros em Portugal são oriundos do espaço da lusofonia.
  4. Comunidades Intermunicipais: das 25 que temos, 21 perdem população: AM Lisboa, Oeste, Algarve e Cávado. As 5 que mais perdem são: AM Porto, Douro, Tâmega e Sousa, Região de Coimbra, Beiras Serra da Estrela.
  5. Nos municípios, há os mais ganhadores e os mais perdedores: os maiores ganhos: Braga, Mafra, Seixal, Sintra e Cascais; as maiores perdas: Lisboa, Funchal, Porto, Covilhã e Abrantes.
  6. Últimas curiosidades estatísticas: o Alentejo é a região que mais perde; a população estrangeira cresce em todas as regiões, menos os Açores; só há 50 municípios a ganhar população; e os 48 mais pequenos todos perdem. Provavelmente porque lhes falta escala e massa crítica.
  1. Este, o problema demográfico, é o desafio mais estrutural que o País tem pela frente. Merecia um debate sério na AR e no País.


ORÇAMENTO APROVADO

  1. O OE para 2023, anteontem aprovado, tem uma novidade, uma acusação sem sentido e uma falta de abertura injustificada.
  • A novidade é que ainda não entrou em vigor e já é um OE desatualizado. Pelo menos, na previsão de crescimento do PIB e da inflação para 2023. Vamos ter menos crescimento e mais inflação.
  • A acusação sem sentido é a que faz a oposição, dizendo que o Governo aceitou poucas mudanças do texto orçamental. É sempre assim quando há maiorias absolutas. Esta não é uma inovação da maioria do PS.
  • O Governo mostrou, todavia, uma injustificada falta de abertura, numa área capital: o apoio aos titulares de crédito à habitação.
  1. A situação do crédito à habitação é cada vez mais uma dor de cabeça. Ainda esta semana foi o BP a dizê-lo. O aumento das prestações é um pesadelo.
  • Num empréstimo de 125 mil euros, o aumento da prestação é de 46,8% em dezembro; 50% em janeiro; e 61,1% em julho de 2023.
  • Perante estas evidências, as medidas adotadas pelo Governo e que esta semana entraram em vigor são positivas, mas insuficientes.
  • O OE bem podia ter ido mais longe, consagrando a possibilidade de dedução fiscal em sede de IRS de uma parte dos juros dos empréstimos contraídos a partir de janeiro de 2012. Não o fez e mal.
  • Assim, temos dois regimes: empréstimos contraídos até dezembro de 2011 podem deduzir uma parte dos juros; empréstimos desde janeiro de 2022 não podem. Uma discriminação injusta e incompreensível.

ANTÓNIO COSTA: 7 ANOS COMO PM

  1. Fez ontem 7 anos que António Costa chegou ao poder. Uma liderança governativa inesperada, porque em 2015 o PS perdeu as eleições; mas uma liderança que, a concluir-se esta legislatura, será a mais longa em democracia.

Mais importante ainda são os resultados. Há positivos e negativos.

  1. ASPECTOS POSITIVOS:
  • A habilidade de criar a geringonça e a seguir conquistar uma maioria absoluta; a inteligência de saber afastar-se de Sócrates e dos seus efeitos tóxicos; a eficiência a gerir a pandemia; a determinação a reduzir o défice e a dívida; a vontade e a capacidade de celebrar um acordo social de médio prazo.
  1. ASPECTOS NEGATIVOS:
  • O fraco crescimento económico registado, se comparado com os países de Leste; a ausência de reformas sem sectores-chave (saúde, educação, impostos); o facto de em 7 anos ter havido dossiês essenciais completamente parados (novo aeroporto/ferrovia); os atrasos constantes na execução dos fundos europeus (PPR e PT 2020); a perda de três lugares no ranking europeu do PIB per capita em apenas 7 anos.
  1. O facto mais preocupante, porém, está no facto de o Governo não ter conseguido inverter a tendência que Portugal tem para baixar de divisão na Europa. Ao longo deste século já fomos ultrapassados por 8 países.
  • Quatro desses países ultrapassaram-nos no tempo de António Costa: a Lituânia em 2017; a Estónia em 2020; a Hungria e a Polónia em 2021.
  • No mesmo período, só conseguimos ultrapassar a Eslováquia.
  • E as previsões da CE apontam para que em 2024 sejamos ultrapassados pela Roménia, que era, há apenas 20 anos, o pior país da UE.
  • Num país politicamente maduro, só estes factos já justificavam um grande debate nacional sobre o futuro do país.

COSTA: DE NOVO PM, UE OU BELÉM?

  1. Dois jornais de referência, o Expresso e o Público, voltaram a uma questão importante: o que fará o PM no futuro? Um novo mandato como PM? Sairá para a União Europeia? Será candidato presidencial em 2026?
  1. Vejamos, uma a uma, as várias hipóteses:
  • A primeira hipótese é a mais improvável. António Costa quer que este seja o seu último mandato governativo. Chegado a 2026 já terá 11 anos de PM. Será o recordista nacional no cargo. Nessa altura, dará o lugar a outro. Provavelmente a Pedro Nuno Santos. Embora Medina tenha voltado a interessar-se. Está no MF com um olho na liderança do PS.
  • A segunda hipótese é a mais desejada pelo PM, mas tornou-se inviável. António Costa desejava ser Presidente do Conselho Europeu. Tem qualidades para esse lugar. E provavelmente condições para o obter em 2024. Só que a orientação do PR de que, saindo o PM a meio, dissolveria a AR, tornaram inviável esse cenário. Ir para Bruxelas e dar azo a uma crise política seria fazer pior do que fez Durão Barroso, em 2004.
  • A última hipótese – candidato presidencial em 2026 – é a única que até hoje o PM publicamente rejeitou. Disse que não queria. Admito que esteja a ser sincero. Que não goste da função presidencial. Julgo, porém, que lá para 2024/2025 ele vai ser fortemente pressionado para ser candidato presidencial. É o candidato mais forte da esquerda. Acresce que Santos Silva não arranca. Tem muita dificuldade em descolar. Vai ser curioso ver como António Costa reage.
  1. António Costa, chegado a 2026, pode mesmo sair da política. Nesse ano completa quase 30 anos de cargos executivos (Governo e CM de Lisboa).

O CATAR EM PORTUGAL?

  1. Esta semana tivemos o impensável: criticámos o desrespeito pelos direitos humanos no Catar; ao mesmo tempo, uma operação da PJ no Alentejo mostrou que também nós falhamos no respeito pelos direitos humanos. Até parece que o Catar veio a Portugal.
  • Pessoas a ganhar entre 5 e 10 euros por semana em explorações agrícolas no Alentejo. Isto não é emprego. A isto chama-se escravatura.
  • Mais de 70 pessoas a dormir no mesmo alojamento, com uma única casa de banho. Uma verdadeira indignidade.
  • O pior de tudo é que nada disto é novo. Tudo isto vem sendo denunciado há muito tempo por várias associações. As autoridades ou andam distraídas ou são negligentes. Salva-se no meio disto tudo a PJ e a sua habitual eficácia.
  1. Somos mesmo um país de contrastes: organizamos a Web Summit e damos acolhimento a nómadas digitais, exibindo tecnologia e modernidade. Em simultâneo, parece que voltamos aos séculos passados e nos confrontamos com a escravatura, a exploração laboral e o tráfico de seres humanos.

A SELEÇÃO NACIONAL

  1. A Seleção Nacional não foi brilhante na exibição do primeiro jogo, mas entrou com o pé direito, que é o que mais interessa. Se ganhar amanhã ao Uruguai, como é provável, Portugal faz dois em um:
  • Primeiro, garante a passagem à fase seguinte, ou seja, cumpre o mínimo dos mínimos;
  • Segundo, dá um passo largo para assegurar o 1º lugar do Grupo, assim evitando o Brasil nos oitavos de final e logrando ter como adversários ou a Suíça ou a Sérvia, seleções manifestamente mais acessíveis.
  1. Quanto às circunstâncias deste Mundial, reafirmo o que disse há uma semana: o PR foi ao Catar e não devia ter ido; o PAR vai amanhã e não devia ir; o PM vai na sexta-feira e também não devia ir. O distanciamento era politicamente profilático. Fora isso, temos o que se esperava:
  • Um Mundial recheado de polémica e de política, o que é mau;
  • O Catar a insinuar que a seguir ao Mundial vai retaliar contra Portugal e outros Países, o que significaria, se acontecesse, que tinha que retaliar em relação a quase todo o Ocidente e, então, ainda saía mais isolado e descredibilizado.
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